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Com o surgimento da COVID-19, a Organização Mundial da Saúde (OMS), Ministério da Saúde e diversos outros órgãos, no Brasil e no mundo, vêm recomendando medidas para deter o avanço do coronavírus.
A principal delas é o chamado isolamento social que busca, por meio da redução da circulação de pessoas – o principal vetor de transmissão da doença -, diminuir a velocidade de propagação da pandemia. Ainda que importantes do ponto de vista da saúde pública, seus impactos econômicos e nas relações de trabalho ainda são desconhecidos.
De acordo com o IBGE, o Brasil possui cerca de 38,3 milhões de trabalhadores informais (autônomos). Estes trabalhadores estão entre os que mais poderão ser afetados com a rápida mudança no ambiente econômico.
Para amenizar o impacto financeiro na vida dos desempregados, trabalhadores informais e aqueles regidos pela CLT, algumas medidas têm sido tomadas pelo Governo Federal, Estados e Municípios. Neste texto, conheceremos o papel do SUAS nesta situação de crise e alguns destes benefícios e serviços socioassistenciais.
Situações de Vulnerabilidade Social Temporária
Para compreender melhor a concessão dos benefícios e dos serviços no âmbito do SUAS, primeiramente precisamos compreender a diferença entre situações de vulnerabilidade temporária e de calamidade pública.
O agravamento das situações de vulnerabilidade em razão da calamidade requer uma maior atenção e urgência por parte do Poder Público, que deverá observar a necessidade de ampliar a prestação de serviços, programas, benefícios e projetos, sempre de forma articulada.
O Decreto Presidencial 6.307 de 14 de Dezembro de 2007, que dispõe sobre os benefícios eventuais de que trata o art. 22 da Lei no 8.742, de 7 de dezembro de 1993 (LOAS), em seu Art. 7°, caracteriza a situação de vulnerabilidade temporária pelo advento de riscos, perdas e danos à integridade pessoal e familiar, assim entendidos:
- riscos: ameaça de sérios padecimentos;
- perdas: privação de bens e de segurança material; e
- danos: agravos sociais e ofensa.
O parágrafo único deste decreto faz saber ainda que “os riscos, as perdas e os danos podem decorrer da falta de acesso a condições e meios para suprir a reprodução social cotidiana do solicitante e de sua família, principalmente a de alimentação, documentação e domicílio.
Estado de Calamidade Pública
Podemos definir como estado de calamidade pública uma situação anormal, provocada por desastres (naturais ou provocados), e que causam danos graves e prejuízos à comunidade, inclusive ameaçando a vida dessa população.
O estado de calamidade pública é decretado nos casos mais graves, quando ocorre o comprometimento da capacidade do Poder Público de agir, ou seja, é quando o Estado ou Município tem à sua disposição poderes para salvaguardar a população atingida, com o auxílio do Governo Federal.
Além dessas medidas, a Constituição Federal, permite ao governante, a solicitação de empréstimos compulsórios, o parcelamento de dívidas, o atraso da execução de gastos obrigatórios e a antecipação do recebimento de receitas, bem como a dispensa de realizar licitação em obras e serviços enquanto durar a calamidade.
O Papel do SUAS em tempos de Pandemia da COVID-19
O Sistema Único de Assistência Social (SUAS), tem por finalidade trabalhar a política de assistência social de forma integrada e participativa, ou seja, nas três esferas de governo, rumo à concretização plena dos direitos sociais instituídos pela Constituição Federal de 1988.
Ao assegurar a assistência social enquanto política pública de responsabilidade do Estado, a Constituição Federal tratou de qualificar uma política que não executasse mais ações benevolentes de ajuda aos pobres e miseráveis, mas uma política orientada pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) e pelo SUAS, de modo a organizar a gestão da política de assistência social.
O que são Benefícios Eventuais?
Os Benefícios Eventuais estão descritos na LOAS, no artigo 22, na Resolução CNAS 212 de 19/10/2006 e no Decreto Presidencial 6.307 de 14/12/2007. Os benefícios eventuais possuem caráter provisório e têm por objetivo dar suporte aos cidadãos e suas famílias em momentos de fragilidade advindos de nascimento, morte, situações de vulnerabilidade social temporária, ou em casos de calamidade pública.
Quais são os tipos de Benefícios Eventuais que podem ser concedidos?
1. Benefício Eventual por Situação de Morte ou Auxílio-Funeral
O Benefício Eventual por Situação de Morte ou Auxílio-Funeral, visa não apenas garantir um funeral digno, mas também garantir o enfrentamento de vulnerabilidades que surgem ou se intensificam depois da morte de um membro da família.
A Política de Assistência Social deve garantir proteção social, suporte e apoio perante o óbito, muitas vezes ocorrido de forma inesperado e atípico ao cotidiano, aos familiares e/ou dependentes da pessoa falecida, principalmente se o membro falecido desempenhava um papel de referência econômica ou emocional para a família.
Quais são as formas de oferta do Benefício por Situação de Morte?
O benefício poderá ser ofertado na modalidade de Pecúnia, por uma única parcela ou mais, na modalidade de Bens de Consumo, ou com a Prestação de Serviços na quantidade do número de mortes ocorridas no grupo familiar.
O Decreto n° 6.307/2007 e a Resolução CNAS n° 212/2006, indicam quais ofertas contemplam a oferta do Benefício Eventual por Situação de Morte:
- As despesas de urna funerária, velório e sepultamento, incluindo transporte funerário, utilização de capela, isenção de taxas e colocação de placa de identificação, dentre outros serviços inerentes;
- A cobertura das necessidades urgentes da família para enfrentar riscos e vunerabilidades advindas da morte de um de seus provedores ou membros; e,
- O ressarcimento, no caso de perdas e danos causados pelo não acesso ao benefício eventual no momento em que ele se fez necessário.
2. A Concessão de Alimentos como Benefício Eventual
A oferta do benefício eventual como alimento, visa atender situações que fragilizam a capacidade de famílias e indivíduos durante o enfrentamento de situações de vulnerabilidade temporária ou de calamidade pública, que impossibilitam temporariamente o acesso à alimentação digna, ocasionando insegurança alimentar.
O Decreto n° 6.307/2007 prevê a oferta de benefícios eventuais nas situações de vulnerabilidade temporária por falta ou dificuldade de acesso a alimentos, com a concessão de cestas de básicas.
O SUAS dispõe ainda de programas específicos relativos à Segurança Alimentar como a Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, como forma de “garantir o acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis” (BRASIL, 2012).
Existem ainda outros exemplos de benefícios eventuais, como por exemplo o Benefício Eventual para Pagamento de Aluguel, que podem ser prestados em situações de calamidade, conforme necessidade e demanda dos requerentes.
Gestão dos Benefícios Eventuais
A regulamentação e a concessão dos benefícios eventuais devem ser feitas de acordo com a Política Nacional de Assistência Social e realizadas pelos municípios, por meio de critérios e prazos definidos pelo Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS).
Cabe aos estados destinar recursos financeiros aos municípios, a título de participação no custeio do pagamento dos benefícios eventuais. Após definição pelo Conselho de Assistência Social, os critérios deverão ser aprovados em Resolução como forma de orientar o poder legislativo do município ou Distrito Federal na elaboração de Lei que irá regulamentar a concessão dos benefícios eventuais.
Serviço de Proteção em Situação de Calamidade Pública e de Emergência
Em consonância com a LOAS, a Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais instituiu o Serviço de Proteção em Situações de Calamidades Públicas e de Emergências, como forma de promover apoio e proteção social à população atingida por situações de emergência e calamidade pública, com a oferta de alojamentos provisórios, atenções e provisões materiais, conforme as necessidades detectadas (BRASIL, 2009).
De acordo com a Tipificação, cabe aos usuários do Serviço de Proteção em Situação de Calamidade Pública e de Emergência, as 03 Seguranças Sociais afiançadas pela PNAS:
Segurança de Sobrevivência a Riscos Circunstanciais | – Socorro em situações de emergência e de calamidade pública |
Segurança de Acolhida |
– Acesso a provisões que garantam as necessidades básicas;
– Acesso a espaços provisórios de acolhida para cuidados pessoais, repouso e alimentação ou dispor de condições para acessar outras alternativas de acolhimento. |
Segurança de Convívio ou Vivência Familiar, Comunitária e Social | – Acesso a serviços e ações intersetoriais para a solução da situação enfrentada, em relação a abrigo, alimentação, saúde e moradia, dentre outras necessidades. |
Em situações de calamidades e emergências, a atuação da Política de Assistência Social tem início com o cadastro das famílias afetadas. É através desse cadastro que a equipe técnica irá realizar encaminhamentos para serviços e benefícios, de forma a garantir a segurança social.
Programas de Transferência de Renda
Benefícios ofertados a indivíduos ou famílias que estejam em situação de pobreza ou de extrema pobreza por meio de transferência monetária. Têm por objetivo o enfrentamento e alívio imediato da pobreza, além de impor condicionalidades que garantam o acesso a direitos sociais básicos nas áreas de educação, saúde e assistência social.
Dentre os principais Programas de Transferência de Renda do SUAS temos:
- Bolsa Família: O programa visa assegurar o direito humano à alimentação adequada, promovendo a segurança alimentar e nutricional e contribuindo para a erradicação da extrema pobreza e para a conquista da cidadania de pessoas em situação de pobreza ou extrema pobreza.
- Benefício de Prestação Continuada (BPC): O BPC é um direito dos cidadãos brasileiros, que atendem aos critérios da lei e que dele necessitam. É oferecido o valor de um salário mínimo, pago por mês às pessoas idosas e/ou com deficiência que não possuem condições de garantir sua sobrevivência, por conta própria ou com o apoio da família. O nível de incapacidade das pessoas com deficiência devem ser comprovadas mediante avaliação do serviço de perícia médica do INSS.
Para ter acesso aos Programas de Transferência de Renda indíviduos e/ou famílias precisam realizar seu cadastro através do CadÚnico. No caso do Programa Bolsa Família, as famílias cadastradas precisam cumprir as condicionalidades nas áreas de Saúde, Educação e Assistência Social para recebimento do benefício.
Conclusão
Os Benefícios Eventuais, os Programas de Transferência de Renda, e o Serviço de Proteção em Situações de Calamidades Públicas e de Emergências integram o Sistema Único de Assistência Social (SUAS), e devem ser ofertados de forma integral, de modo a restaurar a segurança social de indivíduos e famílias em situação de insegurança social, acometidas por situações de vulnerabilidade social temporária, ou em casos de calamidade pública como a que estamos vivendo neste momento de pandemia do coronavírus.
A concessão de benefícios socioassistenciais é realizado mediante o trabalho social com famílias, através do encaminhamento a serviços, programas e às demais políticas públicas, quando necessário, como forma de garantir proteção social.
Como vimos, os benefícios, programas e serviços quaisquer que sejam, devem garantir a segurança social de acolhida, sobrevivência aos indivíduos e às famílias que estiverem impossibilitadas temporariamente de arcar por conta própria, e a convivência familiar, social e comunitária.
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Referências Bibliográficas
- BOVOLENTA, Gisele Aparecida. Os benefícios eventuais junto à política de assistência social: algumas considerações. O Social em Questão – Ano XVII – nº 30 – pg 273 – 286 – 2013.
- BOVOLENTA, Gisele A.; VIEIRA, Marciana A. e LIMA, Aline A. S. BENEFÍCIOS EVENTUAIS: conquistas e desafios enfrentados para sua efetivação. V Jornada Internacional de Políticas Públicas (Estado, Desenvolvimento e Crise do Capital). São Luís, Maranhão (2011).
- BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Marco de Referência de Eduação Alimentar e Nutricional para as Políticas Públicas. Brasília, DF: MDS; Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, 2012.
- CONHEÇA MAIS SOBRE O BPC: Um Direito Garantido pela Constituição Federal.Ministério Previdência Social Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (2016).
- Orientações técnicas sobre Benefícios Eventuais no SUAS. MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL Secretaria Nacional da Assistência Social Departamento de Benefícios Assistenciais e Previdenciários Coordenação Geral de Regulação e Análise Normativa (2018).