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Criado em 1996, o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) é a principal política pública para erradicação do trabalho infantil vigente no país. Seu trabalho desenvolve-se de forma integrada pelos entes federados, com ações de transferência de renda, trabalho social com as famílias, além da oferta de atividades socioeducativas para crianças e adolescentes retirados do trabalho.
De acordo com a Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), o “PETI é um programa de caráter intersetorial, que no âmbito do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), compreende transferências de renda, trabalho social com famílias e a oferta de serviços socioeducativos para crianças, adolescentes em situação de trabalho infantil, identificados no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal”.
O PETI possui abrangência nacional e desenvolve-se de forma articulada pelos entes federados, com a participação da sociedade civil. Seu objetivo é contribuir para a retirada de crianças e adolescentes com idade inferior a 16 anos em situação de trabalho e, ressalvada a condição de aprendiz, a partir de 14 anos.
A seguir abordaremos questões essenciais que vão desde os principais aspectos do trabalho infantil, até a importância das ações estratégicas realizadas pelo PETI no combate dessa prática.
O que é Trabalho Infantil?
Segundo o Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção do Adolescente Trabalhador, o trabalho infantil é aquele ligado às atividades econômicas e/ou atividades de sobrevivência. Pode ter ou não finalidades lucrativas, ser remunerado ou não e realizado por crianças ou adolescentes com idade inferior a 16 anos, ressalvada a condição de aprendiz, a partir dos 14 anos, conforme definido pela Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998.
O trabalho infantil constitui-se em uma questão complexa, composta por atores dos mais diversos interesses. Existem aqueles que defendem que o mercado deve ser livre a qualquer custo e os que acreditam que a classe social de certas crianças as colocam em um patamar fora da abrangência dos direitos humanos.
No Brasil, infelizmente, persiste uma compreensão distorcida sobre o trabalho prematuro. Para os adeptos dessa cultura, o trabalho previne a criminalidade e o uso de drogas ilícitas, garantindo assim um futuro profissional.
Em famílias que vivem em situação de risco ou vulnerabilidade social, o trabalho de crianças e adolescentes é considerado fundamental para garantir o acesso ao mínimo necessário para a sobrevivência do grupo familiar.
Todavia, contribui para a reprodução do ciclo da pobreza intergeracional vivenciadas por muitas famílias. Apresentando, como consequência principal, o prejuízo durante o processo de escolarização.
Características do Trabalho Infanto-Juvenil
O trabalho infantil adquire características de exploração quando envolve:
- Atividades exercidas em período integral durante muitas horas;
- Atividades que impeçam o acesso à educação;
- Atividades realizadas nas ruas ou em más condições;
- Comprometimento da dignidade e autoestima;
- Excesso de estresse físico, emocional ou psicológico;
- Escravidão;
- Prejuízo do desenvolvimento psicológico;
- Trabalho servil ou exploração sexual; ou
- Remuneração inadequada e responsabilidade excessiva.
A exploração da criança por meio do trabalho desrespeita os critérios estabelecidos pela Convenção Internacional Sobre o Trabalho Infantil. Desde o direito de receber os cuidados parentais, passando pelo direito à educação, a saúde e ao lazer.
Com a implementação do Sistema de Garantias de Direitos da Criança e do Adolescente (SGD) houve a formulação de políticas públicas mais amplas. Tratam-se de políticas voltadas para o atendimento integral aos direitos humanos, contribuindo assim para dar maior visibilidade as causas, consequências e estratégias de enfrentamento a exploração do trabalho infantil.
O Decreto n° 3.597, de 12 de setembro de 2000, promulgou a Convenção n° 182 e a Recomendação no 190 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre a Proibição das Piores Formas de Trabalho Infantil e a Ação Imediata para sua Eliminação concluídas em Genebra, em 17 de junho de 1999.
A Convenção n° 182 determina a implementação de programas de ação para eliminar, como medida prioritária as piores formas de trabalho infantil, além de dispor de medidas a serem ratificadas pelos países membros da OIT.
O trabalho infantil ameaça o desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral e social da criança. Envolve situações de riscos, além de constituir uma grave insídia a todos os direitos da criança como ser humano. O impacto do trabalho sobre o desenvolvimento constitui um fator básico para que se possa determinar as formas de trabalho que são extremamente prejudiciais a criança.
Quais são as piores formas de Trabalho Infantil?
A seguir apresentaremos as piores formas de trabalho infantil de acordo com a OIT:
Trabalho infantil doméstico
As crianças que prestam serviços domésticos constituem o grupo das crianças “esquecidas”. Trabalham em regime de servidão e são as mais vulneráveis e exploradas, justamente por não contestarem as ordens impostas, ficando expostas aos mais diversos castigos e abusos físicos e sexuais. Muitas vezes, os abusos sexuais são vistos como parte das funções do trabalho e mesmo que não sofram este tipo de abuso, podem sofrer sérios prejuízos que irão afetar o seu desenvolvimento psicológico e social.
Trabalho em atividades ilícitas
O trabalho de crianças e adolescentes em atividades ilícitas, em especial a associação ao tráfico de drogas, é caracterizado como uma das piores formas de trabalho infantil.
A prevenção e a erradicação do trabalho infantil em atividades ilícitas é um processo complexo, que exige políticas públicas e ações intersetoriais integradas, para a defesa, promoção e proteção dos direitos da criança e do adolescente.
Exploração sexual
É uma das formas mais danosas de trabalho infantil. Causa, além de prejuízos físicos e psicológicos, sérios riscos de saúde, sujeitando suas vítimas a doenças respiratórias e sexualmente transmissíveis, como HIV, bem como o risco de gestações indesejadas e de drogadição.
Trabalho escravo e o trabalho forçado
O trabalho forçado vai muito além de uma simples aceitação de condições precárias. Trata-se, muitas vezes, de um regime de escravidão, vivenciado por muitas crianças exploradas.
No Brasil, pode ser encontrado em vários locais, das minas de carvão vegetal em Minas Gerais e na Bahia, até as plantações de cana-de-açúcar do Espírito Santo e estados do Nordeste do país.
Trabalho em indústrias e em plantações
Os problemas respiratórios são comuns nas indústrias e muitas crianças que trabalham neste ramo adquirem tuberculose, bronquite ou asma.
Na agricultura, é grande o número de crianças exploradas. Os perigos dessa atividade são assustadores, principalmente nas plantações de açúcar, onde o corte de cana requer o uso de facões. Este as expõe ao risco constante de mutilação, além de ficarem expostas ao ataque de cobras e picadas de insetos e ao carregamento de pesos maiores do que sua estrutura física pode suportar.
Trabalho de rua
A rua é um local de trabalho cruel e perigoso para as crianças, muitas exercem uma infinidade de atividades, como lavar e tomar conta de carros, recolher material reciclável, vender doces dentre outras. São poucas as que conseguem trabalhar e frequentar a escola, muitas sofrem de desnutrição e desenvolvem vários tipos de doenças, como a tuberculose, doenças de pele, sarna, pneumonia, gripe, malária, tétano e intoxicação alimentar
Trabalho das meninas
O preconceito de gênero não constitui apenas uma questão de atitude, está enraizado em todas as principais instituições da sociedade. A questão de gênero está presente no processo de exploração, e desde pequenas as meninas são educadas para realizar tarefas domésticas.
Como se observa, o trabalho infantil apresenta um conjunto complexo de consequências para crianças e adolescentes. Portanto, à sua prevenção e erradicação devem ser tratadas com prioridade pelas políticas públicas.
Quais são as Ações Estratégicas do PETI?
As Ações Estratégicas do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (AEPETI) destinam-se aos municípios com altos índices de trabalho infantil. Conta com o apoio do governo federal, dos estados e da sociedade civil para executar suas ações, que por sua vez, estão estruturadas em cinco eixos:
- Apoio e acompanhamento das ações de defesa e responsabilização;
- Informação e mobilização a partir das incidências de trabalho infantil, para o desenvolvimento de ações de prevenção e erradicação;
- Identificação de crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil;
- Proteção social para crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil e suas famílias;
- Monitoramento das ações do PETI.
As ações estratégicas são desenvolvidas de forma articulada pela rede socioassistencial do SUAS às demais políticas públicas.
O PETI na Proteção Social Básica
No âmbito da Proteção Social Básica, nos CRAS e nos SCFV, as ações de enfrentamento ao trabalho infantil no município, compreendem:
- Ações de prevenção ao trabalho precoce de crianças e adolescentes por meio de
campanhas e de mapeamento de vulnerabilidades nos territórios; - Encaminhamento e inserção das crianças e adolescentes em situação de trabalho
infantil no SCFV, em grupo de faixa etária correspondente e/ou em outras políticas e
serviços existentes na região; - Encaminhamentos de adolescentes a partir dos 14 anos para programas de aprendizagem;
- Encaminhamentos de adolescentes de 16 a 18 anos para o mercado de trabalho
forma segura, conforme legislação; - Realização de busca ativa de crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil no território de abrangência dos equipamentos sociais, podendo utilizar equipes
volantes para áreas dispersas e de difícil acesso na região; - Inclusão de famílias no Programa Nacional de Promoção do Acesso ao Mundo do
trabalho (ACESSUAS/TRABALHO) ou em outros programas ou ações de inclusão
produtiva; - Inclusão das famílias no PAIF, em diversas ações como: acolhida, ações particularizadas, encaminhamentos, oficinas, ações comunitárias, dentre outras;
- Inclusão no Cadastro Único e no Programa Bolsa Família, considerando o perfil do
PBF; e - Marcação no prontuário eletrônico, Censo SUAS e demais sistemas de informação do SUAS.
O PETI na Proteção Social Especial
Já no âmbito da Proteção Social Especial, o PETI está integrado a diversas ações, tais como:
- Encaminhamentos das crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil para o SCFV referenciado ao CRAS mais próximo a residência da família;
- Encaminhamentos de adolescentes a partir dos 14 anos para os programas de aprendizagem;
- Encaminhamentos de adolescentes de 16 a 18 anos para o mercado de trabalho de forma segura conforme legislação;
- Realização de busca ativa de crianças e adolescentes em situação de trabalho no território de abrangência dos equipamentos sociais pelo Serviço Especializado de Abordagem Social. Na ausência deste serviço as buscas ativas devem ser feitas pelas equipes locais existentes;
- Inclusão no Serviço de Proteção Especializado a Famílias e Indivíduos – PAEFI a fim de contribuir para o fortalecimento da família no seu papel de proteção, prevenindo a reincidência de violações de direitos, entre outras ações;
- Encaminhamento para inclusão no Cadastro Único e no Programa Bolsa Família, conforme o perfil de renda;
- Encaminhamento de crianças, adolescentes e suas famílias para serviços, programas e projetos de outras políticas setoriais (saúde, educação, esporte, cultura, aprendizagem, inclusão produtiva, dentre outras) conforme necessidade.
Leia também: A Proteção Social Especial sem um CREAS
Qual é o papel do CMDCA e Conselho Tutelar no enfrentamento ao trabalho infanto-juvenil?
O Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) é um órgão público municipal, colegiado, composto de forma paritária por representantes da sociedade civil e do Poder Executivo. Tem como objetivo formular a política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente em âmbito municipal, bem como exercer o controle da implementação dessa política.
Dentre as atribuições do CMDCA estão:
-
- Acompanhar, monitorar e avaliar as políticas no seu âmbito;
- Atuar como instância de apoio no nível local nos casos de petições, denúncias e reclamações formuladas por qualquer pessoa ou entidade, participando de audiências ou ainda promovendo denúncias públicas quando ocorrer ameaça ou violação de direitos da criança e do adolescente, acolhendo-as e dando encaminhamento aos órgãos competentes;
- Definir prioridades de enfrentamento dos problemas mais urgentes;
- Difundir junto à sociedade local a concepção de criança e adolescente como sujeitos de direitos e pessoas em situação especial de desenvolvimento, e o paradigma da proteção integral como prioridade absoluta;
- Integrar-se com outros órgãos executores de políticas públicas direcionadas à criança e ao adolescente e demais Conselhos setoriais;
- Fomentar a integração do Judiciário, Ministério Público, Defensoria e Segurança Pública na apuração dos casos de denúncias e reclamações formuladas por qualquer pessoa ou entidade que versem sobre ameaça ou violação de direitos da criança e do adolescente;
- Propor a elaboração de estudos e pesquisas com vistas a promover, subsidiar e dar mais efetividade às políticas; e
- Promover e apoiar campanhas educativas sobre os direitos da criança e do adolescente.
Já o Conselho Tutelar, no que tange a exploração do trabalho infanto-juvenil, tem por dever intervir em toda e qualquer situação em que exista suspeita ou confirmação de violação de direitos de crianças e adolescentes.
Dessa forma, ao receber a notícia e havendo exploração do trabalho de criança ou adolescente, cabe ao Conselho Tutelar, juntamente com a rede de proteção à criança e ao adolescente, “estabelecer uma sistemática de atendimento que contemple “fluxos” de atendimento intersetoriais e abordagens múltiplas junto aos estabelecimentos, crianças/adolescentes e suas respectivas famílias (MPT/ 3ª Região MG 2013).”
Equipe de Referência do PETI
A equipe ou profissional de referência do PETI deve ser composta por profissionais de nível superior, conforme orientações de composição de equipes do SUAS.
Podem compor a equipe: assistentes sociais, psicólogos, pedagogos, advogados, orientadores sociais ou outros profissionais como antropólogos, cientistas sociais e sociólogos. Em casos excepcionais, profissionais de nível médio poderão ser contratados.
São atribuições da equipe ou profissional de referência nos municípios: organizar, mobilizar e monitorar os serviços e programas, priorizando o atendimento de crianças, adolescentes e famílias em situação de trabalho infantil.
Sistema de Monitoramento do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – SIMPETI
Lançado em 2016, o SIMPETI é um sistema que tem por objetivo acompanhar as Ações Estratégicas do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (AEPETI). Por meio da rede de proteção à criança e ao adolescente, busca fortalecer as gestões municipais e estaduais para erradicação do trabalho intantil.
Com o SIMPETI, Estados e Municípios, que recebem recursos do Governo Federal deverão informar quais são suas ações de combate ao trabalho infantil.
Além de acompanhar as ações do PETI, o SIMPETI também têm por função intensificar as estratégias de combate, principalmente nos locais que possuem alta incidência de trabalho infantil e recebem recursos do Governo
O monitoramento é realizado no âmbito das três esferas de governo, e os dados coletados, poderão ser aprimorados colaborando para os diagnósticos, planos de ação e análises da proteção social.
Conclusão
Como podemos observar, o ingresso de crianças e adolescentes no mercado de trabalho expressa as fragilidades das políticas públicas em nosso país.
O PETI visa o desenvolvimento de ações integradas entre os serviços socioassistenciais e as demais políticas públicas, como a educação, saúde, cultura, entre
outras. Deve contar também com a participação de organizações não governamentais para enfrentar as situações de trabalho infantil, além de ofertar atendimento de qualidade para crianças, adolescentes e suas famílias, cadastrados no Cadastro Único.
O enfrentamento do trabalho infantil exige a articulação de várias políticas públicas, e para que isso aconteça, a articulação intersetorial do PETI é primordial para alcançar os resultados esperados. Dessa forma, é muito importante que os gestores atuem de forma conjunta, compartilhando suas responsabilidades junto à rede de atendimento socioassistencial.
Aproveite para conhecer a história de sucesso de Saltinho, Santa Catarina. Apesar de não contar com um CREAS, a cidade obteve um enorme êxito no monitoramento e acompanhamento de situações de violações de direitos. O sucesso foi tanto que a cidade foi reconhecida e premiada pela qualidade e inovação na gestão da assistência social.
Leia também
- Vigilância Socioassistencial + Criança Feliz: como integrar e obter mais?
- Proteção Social Especial e Conselho Tutelar: parceria estratégica
- Direitos das Crianças e Adolescentes no SUAS: promoção e defesa
Referências Bibliográficas
- Caderno de Orientações Técnicas para o aperfeiçoamento da gestão do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – PETI. Ministério do Desenvolvimento Social. Brasília, 2018.
- Decreto no 3.597, de 12 de setembro de 2000.
- Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998.
- Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) – Lei nº 8.742, de 7 de Dezembro de 1993.
- Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção do Adolescente Trabalhador. Brasília/DF (2019-2022) .
- Política Nacional de Assistência Social (PNAS), 2004.
- Trabalho Infantil: Manual de Atuação do Conselho Tutelar. Jefferson Luiz Maciel Rodrigues – MPT/ 3ª Região MG – 2013.