Matricialidade Sociofamiliar

Matricialidade Sociofamiliar

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Vamos falar sobre a matricialidade sociofamiliar, as diretrizes estabelecidas pela Política Nacional de Assistência Social (PNAS) promoveram um grande avanço ao longo da trajetória das ações e serviços ofertados pela assistência social.

Como parte desses avanços, temos a matricialidade sociofamilliar, que refere-se à centralidade da família como núcleo social fundamental para a concepção e implementação das ações, benefícios, programas e projetos do Sistema Único de Assistência Social (SUAS).

Ao colocar a família como foco do atendimento sociassistencial, o SUAS parte do princípio de que a matricialidade sociofamiliar irá reger todas as ações e serviços da política de assistência social, o que constitui um grande avanço, tendo em vista que, anteriormente o atendimento era fragmentado, ou seja, apenas o indivíduo recebia atendimento, e a familia permanecia isolada, sem atendimento, o que comprometia não apenas a proteção social do sujeito, mas a de sua família também.

Com a matricialidade sociofamiliar, o SUAS busca assegurar o direito à convivência familiar, com o pressuposto de proteger, prevenir e manter seus membros respaldados.

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Conceito de família

Antes de continuar precisamos conhecer o atual conceito de família, e para tanto, se faz necessário nos atentarmos para aspectos importantes, como o contexto social e econômico na qual estão inseridas as famílias, uma vez que, tais aspectos influenciam diretamente nas condições socioeconômicas destas.

A PNAS define família como sendo o “conjunto de pessoas unidas por laços consanguíneos, afetivos e ou de solidariedade, cuja sobrevivência e reprodução social pressupõem obrigações recíprocas e o compartilhamento de renda e ou dependência econômica (Brasil, 2004).” Essa definição amplia o tradicional modelo “padrão” da imagem de família que conhecemos, aquela idealizada e composta por pai, mãe e filhos.

A atual família brasileira é resultante de uma pluralidade de arranjos, que compreende fatores  como conflitos, desigualdades vivenciadas no âmbito familiar, tensões e violência. Atrelado a estes fatores, o conceito de família ainda é determinado pelas estruturas geracionais, de gênero e culturais.

Dessa forma, ao eleger a matricialidade sociofamiliar como eixo central, o SUAS compreende a família a partir do seu contexto sociocultural e econômico, com distinções e dinâmicas próprias e contraditórias.

Digo contraditórias pelo fato de ter superado a antiga concepção tradicional de família, ou seja, o modelo padrão determinado pela sociedade patriarcal.

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Quais são os fatores que contribuíram para as transformações do núcleo familiar?

Muitos são os fatores que influenciaram a atual composição da família brasileira, como:

  • Mudanças societárias ocorridas a partir do século XX, e que afetaram profundamente a dinâmica familiar, tais como condições socioeconômicas e fatos históricos;
  • A grande recessão financeira e a crise política ocorrida no Brasil na segunda metade da década de 80, que afetou o orçamento familiar, alterando a composição familiar;
  • O adiamento da constituição da família e do número de filhos a partir de 1994;
  • A expansão da inserção das mulheres no mercado de trabalho nas décadas de 1980 e 1990;
  • O avanço tecnológico que interferiu diretamente nas relações sociais, na econômia e na estruturação das famílias brasileiras no final do século XX; e
  • Os efeitos da globalização que influenciam a população de determinadas classe sociais, e a maneira como estas reagiram às mudanças estabelecidas pelo avanço tecnológico.

Estas são apenas alguns dos principais fatores que afetaram diretamente a composição da tradicional família brasileira. Vejamos agora o que vem a ser os arranjos familiares.

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O que são arranjos familiares?

Arranjos familiares

A concepção ampliada dos arranjos familiares encontra-se respaldada nas expressões da realidade social, podendo ser representada nas seguintes modalidades:

  • Família matrimonial: união formal entre um homem e uma mulher, com traços de um direito matrimonializado, patriarcal, hierarquizado, patrimonial e heterossexual.
  • Família monoparental: é a entidade familiar composta por qualquer dos pais e sua prole (mono = um, único + parental = relativo aos pais).
  • Família homoafetiva: é a entidade familiar composto por pessoas do mesmo sexo. Para alguns juristas, esta união produz todos os efeitos típicos de uma família, produzi os efeitos patrimoniais, e os existenciais.
  • Famílias reconstituídas: as uniões reconstituídas são chamadas de recompostas, ou seja,é aquela entre uma pessoa, que já tem uma família e leva os seus filhos, oriundos desta família, para conviverem com a sua nova relação, que também já tem prole de núcleo antecedente”.
  • Multiparentalidade: diferentemente do modelo tradicional, a multiparentalidade “é aquela que parte da perspectiva do princípio da socioafetividade, ou seja, reconhece em situações excepcionais, a possibilidade de um filho ter mais de um pai ou mais de uma mãe”.
  • União estável e concubinato: de acordo com o Tribunal Superior, “é a entidade familiar oriunda da convivência amorosa de um casal, por entender que estavam ausentes os requisitos de respeito e de consideração nesta relação, em virtude da existência de duas uniões de fato concomitantes, o que, no entendimento deste julgado, evidenciou a inexistência de objetivo de constituir família e de estabilidade na relação”.
  • Poliamorismo (uniões paralelas consentidas): Trata-se de uma “abertura consentida na relação, onde o dever de fidelidade ganha contornos mais abrangentes, porém, não deixa de constituir mais um novo tipo de arranjo familiar que merece, tanto quanto os advindos das entidades familiares.” Como exemplo podemos citar uma família composta por um homem e três mulheres na qual são estabelecidas regras de convivência.
  • Família anaparental: é aquela que apresenta a noção de que uma família não abrange apenas o marido, esposa e filhos, mas que pode ser composta também por pessoas agregadas que compõem um vínculo de família. Trata-se de um núcleo familiar integrado por pessoas que não guardem nenhum vínculo parental estrito ou consanguíneo, apenas o da afetividade.

Na atualidade vários são os tipos de arranjos familiares, e todos eles merecem a proteção social do Estado, o direito da família está garantido em nossa Constituição Federal, e a jurisprudência dos Tribunais Superiores em nosso país, ao longo dos anos vem reconhecendo os diferentes arranjos familiares, como entidades familiares, de modo a respeitar a dignidade da pessoa humana de cada indivíduo, bem como sua opções de vínculos afetivos.

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A importância da centralidade na família

O reconhecimento da centralidade na família pela assistência social deve-se  ao fato da mesma ser o núcleo social básico dos indivíduos, ou seja, espaço privilegiado de acolhida, autonomia, proteção, convívio, protagonismo social, sustentabilidade e socialização.

Dessa forma, a centralidade familiar passa a ser reconhecida como responsabilidade do Estado, que deve promover a proteção social das famílias em sua totalidade, priorizando as que estejam em situação de maior vulnerabilidade e  risco social.

Ao Estado, cabe ainda o papel de criar estratégias que assegurem o fortalecimento dos laços e vínculos familiares e comunitários dentro do seu território de vivência, e também de  pertencimento, como forma de evitar rompimentos dentro do núcleo familiar.

A centralidade na família requer ainda que a Política Nacional de Assistência  Social (PNAS) enfatize o trabalho social com as famílias considerando suas múltiplas configurações, organizações, particularidades e singularidades, de modo que a intervenção seja específica para cada grupo familiar atendido.

A família possui em seu espaço valores éticos e morais, que se aprofundam com os laços afetivos e de solidariedade, daí o motivo pela qual deve ser protegida em toda a sua totalidade.

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A mulher como eixo central do núcleo familiar

Após a revolução industrial a agricultura deixou de ser o ponto fundamental da economia, e com isso muitas famílias migraram para os grandes centros urbanos. Essa mudança, alterou profundamente a estrutura familiar, uma vez que, o salário pago pelas indústrias não era suficiente para o sustento de toda família, e com isso mulheres e crianças começaram a trabalhar, dando início a um ciclo de exploração da mão-de-obra.

Dentro desse contexto, o papel da mulher começou a mudar, principalmente a partir da década de 1960, marcado pelo movimento feminista, que abriu espaço para a emancipação social e sexual da mulher, que passou a optar em adiar a maternidade graças ao surgimento das pílulas anticoncepcionais.

No entanto, tais mudanças trouxeram inúmeras alterações na estrutura das famílias, como o fim de casamentos ou uniões estáveis, ocasionadas pela situação econômica das famílias. As constantes mudanças no mercado de trabalho fez com que o homem deixasse de ser o principal provedor do sustento de sua família, e com isso as mulheres passaram a assumir a responsabilidade financeira da família,  e consequentemente o papel de “chefe de família”.

Além desses aspectos, consideramos também ser a mulher aquela que propicia não apenas a segurança financeira, mas os aportes afetivos e materiais necessários ao bem-estar de seus membros. Seu papel é decisivo e indispensável para a educação formal e informal de seus filhos.

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O Trabalho Social com as famílias no SUAS

O Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) em sua atuação possui como eixos estruturantes: a matricialidade sociofamiliar e a territorialização.

Dentre os desafios enfrentados pelo SUAS, está o de promover o fortalecimento dos vínculos familiares e a defesa e promoção do direito à convivência familiar e comunitária. E para que essa finalidade seja alcançada, os serviços ofertados pelo CRAS estão estruturados de forma a apoiar as famílias em sua função protetiva, de modo que possam desenvolver suas capacidades humanas, sem que ocorra o desvinculamento de seus indivíduos do contexto familiar e social.

O CRAS é a porta de entrada para o acesso e promoção dos direitos socioassistenciais no território, cabendo assegurar as famílias usuárias os seguintes direitos:

  • Escuta, informação, defesa, provisão direta ou indireta, ou encaminhamento de suas demandas de proteção social;
  • Locais adequados para atendimento, de forma a garantir o sigilo e preservar sua integridade;
  • Receber explicações sobre os serviços e atendimento de forma clara, simples e compreensível;
  • Receber informações sobre como acessar seus direitos e retornos sobre o atendimento socioassistencial;
  • Ter seus encaminhamentos por escrito, com nome e registro do profissional que o atendeu, de forma clara e legível;
  • Proteção de sua privacidade, dentro dos princípios e diretrizes da ética profissional;
  • Ter sua identidade e singularidade preservadas, e sua história de vida respeitada;
  • Avaliar o serviço recebido, contando com espaço de escuta para expressar sua opinião;
  • Ter acesso ao registro dos seus dados, se assim o desejar.

Um dos principais serviços da proteção social básica ofertados pelo CRAS às famílias é o Programa de Atenção Integral à Família (PAIF). O serviço promove a primazia do Estado no que se refere a garantia ao direito à convivência familiar, assegurando dessa forma a matricialidade sociofamiliar como eixo estruturante do SUAS.

Ao reconhecer a família como espaço privilegiado de proteção e desenvolvimento de seus membros, o PAIF tem por objetivo promover o fortalecimento da convivência familiar e comunitária.

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Conclusão

A Política Nacional de Assistência Social (PNAS) segue os princípios da matricialidade sociofamiliar para ofertar seus benefícios, programas, projetos e serviços. Dentro dessa perspectiva, podemos observar que para garantir a oferta de serviços socioassistenciais às famílias, houve grandes avanços na condução da proteção social básica.

A começar pela adoção da ruptura de um modelo de atendimento socioassistencial fragmentado  que excluía os demais membros da família, e  “acolhia” apenas o indivíduo em situação de vulnerabilidade. Ao  romper este modelo, a PNAS passou a garantir uma política social coerente para com suas diretrizes e princípios.

Rompeu o ciclo na qual apenas a família era responsabilizada, e delegou ao Estado o dever de assegurar a proteção social, a convivência e fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários, independente de quaisquer que sejam os tipos de arranjos familiares.

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Referências Bibliográficas

Freitas, Danielli Xavier. Modalidades de arranjos familiares na atualidade. Publicado no site Jusbrasil. Link: https://daniellixavierfreitas.jusbrasil.com.br/artigos/143732565/modalidades-de-arranjos-familiares-na-atualidade.

Marques, Luciana. A Matricialidade Sociofamiliar do SUAS: diálogo entre possibilidades e limites. Anais do III Simpósio Gênero e Políticas Públicas, ISSN 2177-8248 Universidade Estadual de Londrina, 27 a 29 de maio de 2014.

Maria Júlia Rodrigues de. Reflexões sobre Matricialidade Sociofamiliar a partir da Política Nacional de Assistência Social/2004 e NOB-SUAS/2005.

Orientações Técnicas: Centro de Referência de Assistência Social – CRAS/ Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. – 1. ed. – Brasília: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, 2009.

Política Nacional de Assistência Social, Brasil, 2004.

Wiese, Laurita Michelly; Santos, Rosemeire dos. A Centralidade da família nas Políticas Sociais da Assistência Social e Saúde: A relevância do debate para o Serviço Social.

 

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