Desafios e Oportunidades na Atuação do Conselho Tutelar

Tempo de leitura: 10 minutos

Por Elaine Ribeiro

O Conselho Tutelar foi criado pela Lei Federal nº 8.069, de 13 de julho de 1990, também conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). É um órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, é composto por cinco membros, escolhidos pela comunidade local para um mandato de quatro anos, permitida recondução por novos processos de escolha.

O Conselho Tutelar desempenha um papel fundamental na defesa dos direitos das crianças e adolescentes em nossa sociedade.

Ao abordar os desafios enfrentados pelo Conselho Tutelar, é importante destacar a complexidade das situações com as quais eles lidam diariamente.

Conselhos Tutelares e seus desafios

É importante destacar a complexidade das situações com as quais lidam diariamente. Os membros do Conselho Tutelar, muitas vezes,  se deparam com casos de violência doméstica, abuso sexual, negligência e outras formas de violação dos direitos das crianças e adolescentes. Essas situações exigem uma abordagem sensível e rápida, além de conhecimento jurídico e de uma rede de apoio eficiente. A  falta de protocolos definidos e claros para a atuação cotidiana pode comprometer a efetividade das ações. Em muitos casos práticos, pode-se observar a atuação predominantemente focada na defesa dos direitos individuais de crianças e adolescentes, quando, na verdade, devería-se direcionar esforços para a garantia dos direitos coletivos, conforme previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Em geral, é comum a atuação dos Conselhos Tutelares serem muitas vezes  reativas e não planejadas.  Já que se trata de uma atuação colegiada e de situações que se repetem o planejamento das ações e um protocolo de atendimento são fundamentais.  Lida-se com as crises e situações emergenciais, ao invés de ser adotado abordagem proativa e preventiva. Essa fragilidade operacional limita a capacidade de promover mudanças estruturais e enfrentar de maneira eficiente os problemas que afetam crianças e adolescentes.

A sobrecarga de trabalho é outro desafio enfrentado pelo Conselho Tutelar. A demanda por seus serviços é frequentemente significativa, o que pode resultar em uma carga excessiva de casos para cada membro. A falta de recursos humanos e materiais adequados agrava essa situação, dificultando a capacidade do Conselho Tutelar de lidar com todos os casos de maneira oportuna e eficiente. Os membros do Conselho podem se ver sobrecarregados, tentando conciliar o grande volume de casos com os recursos limitados disponíveis. Ressalta-se também que esta questão da sobrecarga de trabalho pode ser intimamente ligada com a ausência de planejamento e da construção do trabalho em rede, sobre a qual falaremos a seguir.

A atuação do Conselho Tutelar exige uma estreita colaboração e articulação com outros órgãos e serviços envolvidos na proteção dos direitos das crianças e adolescentes. Essa cooperação é essencial para garantir uma abordagem integrada e abrangente. No entanto, a falta de comunicação e coordenação efetiva entre esses diferentes setores pode dificultar a eficácia das ações do Conselho Tutelar. A falta de alinhamento entre os profissionais envolvidos pode resultar em lacunas no atendimento e reverberar na desproteção das crianças e adolescentes.

Esses desafios exigem que os membros do Conselho Tutelar sejam resilientes, comprometidos e capacitados. Eles precisam estar preparados para lidar com a complexidade das situações, mesmo diante de recursos limitados. Além disso, é fundamental promover a capacitação contínua dos membros do Conselho e fortalecer a articulação com outros órgãos e serviços, a fim de superar os desafios e garantir a proteção efetiva dos direitos das crianças e adolescentes.

Enquanto conselheira tutelar, percebi que minha atuação era marcada por uma postura mais enérgica, baseada na convicção de que “o direito não se negocia”, como estabelece a lei. Entretanto, essa abordagem comprometia a aproximação dos atores do sistema de garantia de direitos, somada à falta de preparo na atuação e no re-conhecimento das reais necessidades no que tange oferta e demanda das políticas públicas.

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Estratégias para um trabalho mais efetivo

Fortalecer a articulação entre os diversos atores envolvidos, promovendo uma melhor integração entre os órgãos de defesa, atendimento e instâncias responsáveis pela formulação e implementação de políticas públicas torna possível superar os obstáculos e efetivamente garantir a proteção e promoção dos direitos infantojuvenis.

Uma oportunidade crucial é a possibilidade de estabelecer parcerias com outros atores sociais, como a Educação, Saúde, Assistencia Social e com o Sistema de Justiça. Essa colaboração permite que o Conselho Tutelar tenha acesso a informações relevantes e recursos adicionais para lidar com os casos. Por exemplo, ao trabalhar em conjunto com escolas, podem identificar sinais de abuso ou negligência através de professores e colegas de classe. Da mesma forma, a cooperação com os serviços de saúde pode fornecer informações médicas essenciais para avaliar a situação de uma criança. O trabalho articulado com a Assistência Social permite identificar prematuramente sinais de violência, bem como agilizar o atendimento às vítimas de violência.

É necessário também a capacidade de implementar estratégias de prevenção, visando evitar que os casos de violação dos direitos das crianças aconteçam. O Conselho Tutelar pode promover campanhas de conscientização em escolas e na comunidade, abordando temas como a importância da educação sexual, prevenção do abuso infantil, cuidados com a saúde e outros assuntos relevantes. Além disso, eles podem organizar atividades extracurriculares, programas de orientação para pais e disponibilizar recursos educacionais para fortalecer a proteção dos direitos das crianças e adolescentes.

É por meio do diálogo, da cooperação e do conhecimento das políticas públicas que poderemos fortalecer a atuação dos Conselhos Tutelares e criar um ambiente mais seguro e acolhedor para as futuras gerações.

Leia também: Proteção Social Especial e Conselho Tutelar: parceria estratégica 
Conselho Tutelar X Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente


O processo eleitoral no Coselho Tutelar e seus impactos

Além das reflexões sobre os desafios e oportunidades na atuação do Conselho Tutelar, é fundamental destacar os impactos decorrentes do processo de seleção dos conselheiros tutelares, em conformidade com as normas e diretrizes nacionais, disciplinados por leis municipais. Esse processos evidenciam fragilidades nos mecanismos de funcionamento, estruturação e expertise dos agentes responsáveis por esse procedimento.  O Art. 139 ECA (Estatuto dos direitos da criança e adolescente) prevê a responsabilidade do CMDCA (Conselho Municipal dos Direitos de Crianças e Adolescente), em todo o processo de escolha, funcionamento e fiscalização.

É preocupante constatar em muitos casos,  que o próprio CMDCA enfrenta desafios no que diz respeito aos conhecimento tecnicos e normativos e também à capacidade necessária para desempenhar efetivamente essa função. A forma como os conselheiros tutelares são eleitos possui consequências significativas para a efetividade do trabalho desempenhado pelos Conselhos Tutelares.

A importância do processo de escolha unificada dos conselheiros tutelares

 O processo de eleição dos conselheiros tutelares é uma oportunidade ímpar para a comunidade participar ativamente na escolha dos representantes que irão atuar na defesa dos direitos da criança e do adolescente. Essa  participação democrática fortalece a legitimidade do Conselho Tutelar perante a população, além de promover o engajamento da comunidade nas questões relacionadas à infância e juventude.

Uma eleição bem conduzida e transparente contribui para a escolha de conselheiros qualificados e comprometidos com a causa. Uma das principais razões pelas quais o processo de eleição dos conselheiros tutelares é tão importante é porque permite que a comunidade local participe ativamente na escolha desses representantes. Os cidadãos, por meio do voto, que têm o poder de selecionar os indivíduos que irão ocupar essas posições, garantia de que os conselheiros tutelares sejam legitimamente escolhidos pelos próprios membros da comunidade em que atuarão.

O processo de eleição dos conselheiros tutelares permite que os candidatos demonstrem suas qualificações e comprometimento com a causa. Isso possibilita que a comunidade conheça melhor os candidatos e faça uma escolha informada, selecionando aqueles que possuem as habilidades e conhecimentos necessários para desempenhar suas funções de forma eficaz. Esse processo promove a renovação e a diversidade desses representantes. A cada eleição, novos candidatos podem surgir, trazendo perspectivas diferentes e experiências diversas para o trabalho do conselho tutelar. Isso é especialmente importante, pois permite uma representação mais ampla da comunidade, considerando suas peculiaridades e necessidades específicas.

A importancia do trabalho do Conselho Tutelar em articulação com o SUAS

A atuação do Conselho Tutelar exerce um papel importante na articulação com o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) para garantir a proteção e promoção dos direitos das crianças e dos adolescentes. O SUAS é um sistema que visa organizar e integrar as ações de assistência social em âmbito nacional, e o Conselho Tutelar é um dos órgãos que compõem a rede de proteção social, para além dos serviços socioassistenciais.

A articulação entre o Conselho Tutelar e o SUAS é fundamental para a efetivação das políticas sociais voltadas para crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade. O SUAS oferece uma série de serviços e programas que visam garantir o acesso a direitos básicos, como saúde, educação, alimentação, moradia e convivência familiar e comunitária. Nesse sentido, o Conselho Tutelar atua como um elo entre as demandas e necessidades identificadas no âmbito da sua atuação e a rede de serviços e programas do SUAS.

Conclusão

A atuação do Conselho tutelar é essencial para uma articulação efetiva entre escolas, serviços de saúde, órgãos de justiça e demais entidades envolvidas na garantia dos direitos infantojuvenis.

Por isso, é fundamental investir na formação e capacitação contínua dos conselheiros tutelares, assim como dos  profissionais do SUAS e das demais politicas sociais.. A qualificação desses agentes é essencial para o exercício de suas funções de forma eficiente e para o aprimoramento das políticas e práticas voltadas para crianças e adolescentes.

Em suma, a atuação dos a conselheiros tutelares, a forma como eles devem ser eleitos e capacitados, bem como articulação com o SUAS e as demais políticas sociais, apresenta desafios a serem superados, mas também oferece oportunidades promissoras. Com um engajamento efetivo da comunidade, transparência, cooperação entre os órgãos e investimento na formação dos profissionais, é possível fortalecer a proteção dos direitos das crianças e dos adolescentes, construindo uma sociedade mais justa e inclusiva para as futuras gerações.

Leia também:
Crianças e Adolescentes: Garantia de Proteção Integral X Invisibilidade nos serviços do SUAS
A Reconstrução do SUAS e a primeria infância: Reordenamento do Programa Criança Feliz


Elaine Ribeiro –
Consultora Social, formada em Serviço  Social,  Pós-graduada  em  Políticas  Públicas  e  Gestão das OSCs do Terceiro Setor. Atualmente,  mestranda  em  Políticas  Sociais  na  Universidade  Federal  De  São  Paulo (UNIFESP), criadora do programa: Mentoria de Alta Performance para conselheiros tutelares.

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