Quanto Custa NÃO Investir em Assistência Social?

Tempo de leitura: 7 minutos

Por Aline Barreto

A discussão sobre o financiamento da assistência social no Brasil frequentemente se concentra nos custos diretos das ofertas dos serviços, programas, projetos e benefícios. No entanto, uma análise mais profunda e estratégica revela que a pergunta crucial não é “Quanto custa investir?”, mas sim “Quanto custa NÃO investir?” em um sistema robusto de proteção social. O subfinanciamento crônico do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) representa uma economia ilusória, que gera um passivo social, econômico e humano de magnitude incalculável, onerando o Estado e a sociedade no presente e no futuro.

 

O Custo Humano de não se investir em Assistência Social

O primeiro e mais grave custo é o custo humano. A assistência social é um direito fundamental previsto na Constituição Federal de 1988, um pilar do pacto civilizatório brasileiro. Não investir significa negar esse direito, com consequências diretas:

  • Ciclos Intergeracionais de Pobreza: sem o acesso a programas de transferência de renda, como o Programa Bolsa Família, e a serviços socioassistenciais (CRAS e CREAS), famílias em situação de pobreza veem-se privadas de condições mínimas para romper o ciclo da miséria. A fome, a desnutrição e a falta de oportunidades para crianças e adolescentes condenam gerações futuras à mesma condição;
  • Agravamento de Vulnerabilidades e Riscos Sociais: a falta de um CREAS estruturado significa que vítimas de violência doméstica, abuso sexual, negligência e outras violações de direitos não encontram amparo especializado. Isso pode levar a desfechos trágicos, incluindo feminicídios, autoextermínio, exploração sexual, envolvimento precoce com uso e abuso de álcool e outras drogas, etc;
  • Perda de Autonomia e Capacidade Produtiva: Idosos e pessoas com deficiência sem acesso a serviços de proteção social básica e especial veem sua autonomia drasticamente reduzida. A ausência de um serviço especializado que preste atendimento, a falta de acesso ao Benefício de Prestação Continuada (quando for o caso), por exemplo, não são apenas uma negação de direito; é a “condenação” de uma pessoa à dependência total, impedindo-a de ser um membro ativo na família e na comunidade.

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E o Custo Econômico? A Pressão sobre outras Políticas Públicas e a perda de produtividade

 

O subfinanciamento da assistência social opera como um “efeito dominó” negativo, sobrecarregando outras áreas do Estado e impactando a economia como um todo.

  • Sobrecarga do Sistema de Saúde (SUS): problemas de origem social demandam atendimento médico. A desnutrição infantil, as doenças decorrentes de moradias insalubres, os transtornos mentais provocados por violências não atendidas e as condições crônicas de idosos sem cuidado acabam pressionando hospitais e postos de saúde, gerando custos muito mais elevados do que o investimento preventivo na assistência social;
  • Sobrecarga do Sistema de Segurança Pública e Socioeducativo: a ausência de políticas preventivas, como os Serviços de Convivência e Fortalecimento de Vínculos para jovens em territórios vulneráveis, é um fator correlato ao aumento da violência e da criminalidade. O custo de um adolescente em medida socioeducativa de internação é exponencialmente superior ao custo de mantê-lo integrado a um projeto social no CRAS. O Estado acaba optando por gastar fortunas com políticas reativas (presídios, policiamento) em vez de investir em políticas proativas de inclusão;
  • Redução da Produtividade e da Capacidade Laboral: uma população faminta, doente, traumatizada e sem qualificação não pode ser produtiva. A falta de investimento em assistência social significa abrir mão de potencial humano, reduzindo a força de trabalho qualificada e saudável no médio e longo prazos, com impactos diretos no Produto Interno Bruto (PIB) do país.

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O Custo Sistêmico de não se investir em Assistência Social

O não-investimento corrói a própria estrutura do SUAS, tornando-o ineficiente e gerando um ciclo vicioso de descrédito. 

  • Desprofissionalização e Rotatividade: Salários baixos e condições precárias de trabalho para assistentes sociais, psicólogos e outros profissionais levam à desmotivação, ao “burnout” e à alta rotatividade. Isso quebra o vínculo com o território, essencial para o trabalho social, e gera custos constantes com novos processos seletivos e treinamentos;
  • Fragilização do Controle Social: Conselhos de Assistência Social sem recursos financeiros e estruturais tornam-se frágeis, incapazes de exercer seu papel fiscalizador e propositivo. A sociedade perde sua voz no controle da política, abrindo espaço para desvios e má gestão;
  • Interrupção de Serviços: A irregularidade nos repasses financeiros leva à interrupção de serviços essenciais. Um grupo de convivência cancelado, um atendimento em CREAS interrompido ou um benefício eventual não concedido, representam uma ruptura na frágil rede de proteção de milhares de famílias, anulando qualquer avanço anteriormente conquistado.

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CONCLUSÃO

A equação é clara: o custo de prevenir e proteger é infinitamente menor do que o custo de remediar. Não investir em assistência social é a opção mais cara para o Estado e para a sociedade.

Uma economia de curto prazo que gera um endividamento social de longo prazo, pago com juros altíssimos em forma de violência, saúde pública debilitada, perda de capital humano e violação sistemática de direitos humanos.

Investir no SUAS é, portanto, um investimento estratégico em:

  • Saúde Pública: Prevenindo agravos de origem social;
  • Segurança Pública: Promovendo inclusão e prevenção à violência;
  • Desenvolvimento Econômico: Construindo uma base social saudável, educada e produtiva.
  • Democracia: Garantindo os direitos fundamentais previstos na Constituição e construindo uma sociedade mais justa e equânime.

A pergunta, portanto, deve ser reformulada: podemos nos dar ao luxo de NÃO investir em assistência social? A evidência dos dados e da realidade cotidiana mostra que a resposta é um retumbante não. O preço da negligência é alto demais para ser pago.

Leia também: Articulação em rede no SUAS: como articular parcerias no território?

Bibliografia

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ONU – Organização das Nações Unidas. Relatório sobre Desenvolvimento Social no Mundo. Vários anos.

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