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Quem trabalha com gestão da Política Assistência Social entende muito bem da necessidade da continuidade dos serviços socioassistenciais. O trabalho com as famílias e indivíduos atendidos exige um percurso e um acompanhamento da evolução das demandas apresentadas.
Um ponto crucial para essa continuidade está justamente nas equipes de trabalho, as pessoas são quem coordenam os processos, gestam as intervenções e organizam as diretrizes e prioridades. A gestão de recursos humanos se torna imprescindível então para garantir a execução dos serviços.
Um dos principais problemas nesta esfera da gestão e sobre o qual nos debruçaremos, neste texto, são aquelas equipes com alta rotatividade. Como trabalhar numa perspectiva de serviços continuados uma vez que não é possível mensurar o período de vínculo de cada profissional ou as necessidades de mudanças entre equipes?
Quero compartilhar com vocês algumas estratégias que pude desenvolver como parte da gestão e que contribuíram para enfrentar e, sobretudo, minimizar os impactos advindos deste problema.
Comece do começo
O início do trabalho reside na premissa de que os serviços devem conter processos independente das pessoas. A sistematização dos fluxos de trabalho são imprescindíveis e devem cobrir as atividades básicas dos serviços.
O coordenador de um CREAS, por exemplo, deve ser capaz de compreender todo o percurso de um caso antes mesmo que este chegue ao serviço. A identificação da demanda, os atendimentos iniciais, os contatos com a rede, os encaminhamentos, os possíveis motivos de desligamento do acompanhamento, entre outras necessidades.
A construção de um fluxo de trabalho precisa estar alinhada com as normativas vigentes, cadernos de orientação dos serviços, entre outros instrumentos norteadores. Também é preciso um tempo com a equipe atual para validar os processos, instrumentos de trabalho, entre outros.
De posse do fluxo de trabalho, e com os objetivos claros em mente, podemos estruturar outros passos na direção da superação dos problemas com a rotatividade.
Recebendo o novo profissional
O momento inicial de trabalho de um novo profissional deve ser visto como um momento também de acolhimento. Este trabalhador deve ser apresentado a todo o equipamento e orientado com o fluxo já definido.
O diálogo inicial normalmente é realizado pelo coordenador da unidade que o recebe e apresenta os instrumentos de trabalho e as rotinas do serviço. Para além disso, este momento precisa ser aliado a uma conversa clara sobre as responsabilidades, os demais atores envolvidos, as cadeias hierárquicas e os documentos periódicos que a pessoa contratada deve produzir.
Uma experiência muito positiva que desenvolvi foi o encontro de introdução à Política de Assistência Social para novos profissionais, independente do cargo que ocupam. Neste encontro trabalhei toda a estrutura da política, os equipamentos e serviços disponibilizados no município e as pessoas e cargos envolvidos na sua execução.
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Esta apresentação inicial permitia aos novos funcionários um alinhamento do que vem a ser a política de assistência social e suas particularidades. Tenha em mente que muitos dos profissionais advêm de outras políticas ou outros ambientes de trabalho e trazem consigo rotinas e processos de trabalho que podem conflitar com os do equipamento onde irão trabalhar.
Este momento, que pode ser realizado tanto em grupo quanto individualmente, é oportuno para se qualificar as expectativas do contratante quanto aos retornos do funcionário. Também permite já uma abertura de diálogo para tirar dúvidas do funcionário.
Em síntese, o que precisa ficar registrado é a importância de um acolhimento completo ao profissional para que este seja inteirado às rotinas e responsabilidades do trabalho que irá assumir.
Registre tudo
Pode parecer um pouco óbvio, mas acredite, não é. A importância do registro é explícita em praticamente todos os documentos norteadores, e ainda assim, muitos profissionais não dão a devida prioridade ou desconsideram este momento ao organizar sua rotina de trabalho.
É triste, mas na minha experiência encontrei alguns profissionais que insistiam em desenvolver o trabalho desprezando as necessidades de registro. É preciso ter em mente que o trabalho desenvolvido por uma política pública é construído com recurso do povo e exige seriedade e documentação de todo o seu processo.
A responsabilidade pelo processo de registro, no entanto, não é exclusiva do técnico que trabalha na ponta, mas por toda a equipe de nível gestor e estratégico da política. Coordenações, por exemplo, precisam manter em dia os planejamentos, relatórios de gestão, monitoramento das atividades e fluxos de trabalho, sempre em dia, garantindo assim que, qualquer pessoa que entre nova no serviço possa dar continuidade a partir de onde parou.
Lide com problemas concretos
Muitas vezes, novos profissionais descobrem algumas “muletas” para a descontinuidade do trabalho. Isso ocorre principalmente quando o profissional não percebe uma base inicial de suporte ou é engolido pelas demandas diárias que não possuem fluidez na organização do serviço e são absorvidas com certa emergência.
Costumo dizer para colegas que, de acordo com a Constituição Federal de 88, a Política de Assistência Social é para QUEM DELA NECESSITA, não para quem solicita. Esta afirmação me faz pensar na importância do profissional para filtrar as demandas que realmente são desta política. Além disso, revela uma necessidade também de organização do serviço para alcançar os objetivos a ele inerentes. Sugiro aqui o desenvolvimento de ações focadas como reuniões periódicas de equipe, estabelecimento de agenda de atendimento, rotina de trabalho pré-definida, momentos de estudo, entre outros.
Neste cenário, é importante manter sempre o foco e a clareza dos objetivos do trabalho e dos fluxos estabelecidos para lidar com os problemas concretos. Ao ouvir a fala de um profissional que diz não conseguir ter tempo para registros ou um coordenador dizendo que as intervenções têm se arrastado por causa da rotatividade, estas afirmações precisam ser destrinchadas e localizadas nos fluxos e rotinas de trabalho. Esta análise da fala permite identificar a raiz do problema e a possibilidade de continuidade do fluxo.
Lidar com situações concretas permite dar escoamento ao trabalho e concentrar as atividades do serviço naquilo que realmente permitirá alcançar os objetivos deste.
Promova uma cultura de continuidade
A linguagem e postura dos trabalhadores e equipe gestora na construção de um ambiente de continuidade do serviço são fundamentais. A perspectiva de que o serviço vai continuar independente de quem acompanha a família ou coordena a unidade deve permear o dia a dia dos trabalhos.
Cabe lembrar que o trabalho na Política de Assistência Social é executado por uma equipe de referência e não por profissionais isolados. Trata-se de um conjunto de ações que cooperam para o alcance dos objetivos e estes devem ser visíveis como ações de um serviço e não de um profissional.
É inegável o vínculo entre pessoas atendidas e aquelas que as atendem. Nestas situações é sempre importante localizar para a pessoa atendida que o que ela tem recebido do serviço é um direito dela e que deve ser prestado por qualquer outro profissional que vier a ocupar aquele cargo. Isso é adotar uma linguagem cultural de continuidade e um respeito com a situação vivida pelo usuário e sua família.
Conclusão
Reconhecer na sua equipe uma alta rotatividade e encará-la como um problema já é um passo importantíssimo para sua solução.
Daí em diante, a maior parte do trabalho se dará no campo das posturas. Especialmente em enxergar os indivíduos vinculados ao trabalho como parte fundamental dessa construção de uma cultura de continuidade. Além, é claro, e respeito à história da família que necessita de ações da Política de Assistência Social.
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