Como o CREAS pode agir para verificar situação de violência e violação de direitos no território?

Tempo de leitura: 8 minutos

Por Jader Lopes

Trabalhei num CREAS já no ano de publicação da Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais. O processo de se apreender uma nova lógica de se trabalhar com vítimas de violência enquanto a própria sociedade evidenciava as limitações desse trabalho eram claramente desafiadores. No entanto, vivenciar essa realidade com toda certeza traz um crescimento profissional significativo.

Ao se pensar em uma estrutura de atendimento a pessoas vítimas de violência, numa perspectiva de atenção na política de assistência social, a qual é ofertada a quem dela necessita, o que percebíamos ali naquele equipamento era exatamente a jornada para se identificar quem realmente necessitava de assistência social nas situações de violência e violações de direitos.

Andando alguns anos a frente, pude também acompanhar muitos municípios por meio do trabalho com o GESUAS e conversar um pouco mais profundamente sobre esses desafios, ao que pude de fato perceber que essa visão inicial como técnico se repercutia em todas as regiões do nosso país. O desafio de se identificar quem de fato é foco do atendimento.

Quero te convidar neste texto a me acompanhar por alguns caminhos que identifiquei nesta jornada e que me auxiliaram no processo de trabalho no CREAS, na esperança de que talvez contribua também com você.

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CREAS e o Fenômeno de violência

Antes de tudo quero nos lembrar que a Assistência Social possui um campo claro e específico de atuação. Apesar da porta aberta para que qualquer pessoa possa procurá-la, nem todas elas necessitam dos seus serviços. Perceber isso é algo fundamental, pois exige da equipe técnica um conhecimento profundo do que compete à essa política para que não deixe de atender quem precisa e que não invista parte significativa dos seus recursos com demandas que não lhe competem.

Enquanto busca se posicionar e fortalecer sua identidade de proteção social a famílias e indivíduos que vivenciam situações de risco social em decorrência de violências ou de violações de direitos, as equipes socioassistenciais dos CREAS precisam lidar com uma sociedade que até então possuíam diversas formas para lidar com o fenômeno de violência presente no território.

Violência é um fenômeno histórico, e este fato precisa estar claro para cada membro da equipe técnica. Conflitos presentes nas relações sociais historicamente possuem diversas formas de resolução, e, em sua maioria das vezes, a violência é o recurso principal para a busca de suas resoluções. As causas e motivações de ações que produzem violência são diversas, penso ser interessante relembrar o que a Organização Mundial de Saúde conceitua neste ponto em um documento publicado em 2002 chamado de “World report on violence and health” (Relatório Mundial sobre violência e saúde): “Uso de força física ou poder, em ameaça ou na prática, contra si próprio, outra pessoa ou contra um grupo ou comunidade que resulte ou possa resultar em sofrimento, morte, dano psicológico, desenvolvimento prejudicado ou privação.”

Gosto de voltar a este conceito sempre que possível, para conseguirmos enxergar um pouco como este fenômeno é complexo e abrangente, o que sem dúvida exige ações não menos que complexas e abrangentes para se enfrenta-lo. No entanto, também é importante checar os aportes que interrelacionam-se com a política de assistência social pois, como vimos, esta possui um público específico e uma demanda clara de atendimento.

Analisar a participação dos CREAS no cenário diretamente ligado ao cuidado e apoio socioassistencial a famílias e indivíduos que por algum motivo estão neste contexto de violência é perceber o micro universo deste serviço dentro do universo que é o fenômeno de violência, este “micro universo” é o jeito que gosto de falar da Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais.

Um dos exemplos que costumo dar em minhas exposições e treinamentos é o de que existem vítimas de algumas situações de violência que não são necessariamente atendidas pela política de assistência social. Uma pessoa que foi vítima de um golpe financeiro e que não está associado a questões de gênero ou de negligência de cuidados por exemplo. Alguém que teve um celular furtado, ou foi vítima de um assalto. Se considerarmos esses exemplos de forma macro, sem usar a lente da tipificação para analisa-los, diríamos de instantaneamente que a política de assistência social não tem meios de atender as demandas dessas pessoas decorrentes destes tipos de violência. É bem provável que estas pessoas precisarão de serviços específicos de polícia ou de saúde física/mental, cabendo talvez uma avaliação socioassistencial de possíveis demandas pontuais, o que normalmente é realizado nas unidades básicas de atendimento.

Com isso, precisamos agora então relembrar o que se realmente trabalha no CREAS, considerando aqui apenas o Serviço PAEFI (Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos). Na tipificação temos um grupo específico de pessoas que são atendidas por este serviço: “Famílias e indivíduos que vivenciam violações de direitos por ocorrência de…” e segue-se com uma lista de 10 tipos de situações de violações de direitos.

Leia também: Desafios na Coordenação do CREAS

PAEFI e Território

Pronto, chegamos agora ao ponto central deste texto. Aqui quero tratar sobre a relação do PAEFI com o território numa perspectiva de política de assistência social. Como vimos até então, temos uma contexto mais amplo de violências que atingem todas as esferas da sociedade bem como apresenta uma face complexa e abrangente. Neste sentido, entender a relação do serviço com os territórios, é pensar numa perspectiva de atendimento e acompanhamento familiar com vistas a superação das demandas originais que se apresentaram para a equipe.

Já é possível dizer que municípios que possuem uma gestão com base em dados e informações atualizadas para a criação de uma intervenção qualificada, passam um pouco a frente no que se refere a gestão de recursos humanos e financeiros para o alcance dos objetivos. O foco aqui é lembrar que a Tipificação estabelece objetivos claros para os serviços e que estes precisam ser perseguidos em todas as ações que são executadas.

Pois bem, esta gestão qualificada oferece a equipe uma olhar certeiro sobre as relações cotidianas presentes nos contextos em que as famílias atendidas estão inseridas. Hora, uma vez identificada que aquela família encaminhada ou que acessou de forma espontânea o CREAS é uma família com o perfil de acompanhamento do serviço, o que se buscará fazer então é esse estudo e análise do cenário completo destes. Entender desde o básico concreto ao complexo imaterial presente na cosmovisão de cada indivíduo só é possível se temos as informações ao nosso alcance.

Municípios que utilizam sistemas como o GESUAS encontram uma fortuna de dados disponíveis para serem analisados, os quais são fruto de trabalho e registro de toda a rede, o que fornece maior abrangência as informações. É possível, por exemplo, fazer um levantamento de perfis de pessoas e famílias que moram em determinada região. Cruzar informações de escolaridade, saúde, renda, trabalho e moradia. Ter uma “foto” de onde a família mora a partir do que toda a equipe da cidade já registrou a respeito dela. Com isso em mãos, a equipe que acompanha essa família terá mais elementos para levantar os fatores de risco e proteção aos quais essa família está exposta e, com isso, construir um plano de acompanhamento familiar consistente.

 

SITE GESUAS

Conclusão

Estamos em um momento que a maturidade e identidade da política de Assistência Social está bem formatada. Já temos experiências acessíveis para revisarmos e aprendermos com elas. Bem como fundamentos para dialogar com a rede ou se posicionar diante dela, objetivando executar o serviço com destreza e atenção a quem realmente necessita dele.

As possibilidades de intervenção se ampliam a medida que eu conheço bem o trabalho, suas particularidades e sua identidade. Também tendo uma base de conhecimento e informação cada vez mais atualizada e contextualizada, com base em dados registrados.

Nesse tempo na equipe do GESUAS pude acompanhar muitas transformações significativas de municípios no atendimento qualificado a essas demandas a partir do que o sistema lhes proporcionou, liberando a equipe de detrás da mesa, de processos burocráticos cumulativos e dando maior foco para ações de inteligência social.

Leia também: O CREAS e a Proteção Social Especial
Orientações Técnicas: CREAS

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