Tempo de leitura: 8 minutos
O dia 08 de Março, marca o Dia Internacional da Mulher, estabelecido não como data comemorativa (ao contrário do que se instituiu no senso comum), mas intrinsecamente ligada às condições desiguais encontradas no mundo do trabalho pela população feminina.
Propondo reflexão e ações em torno da questão, ao longo dos anos os debates acerca da posição da mulher na sociedade se ampliaram, abrangendo as diversas formas que o machismo atravessa socialmente as mulheres, nos âmbitos públicos e privados da vida. Dentre estes atravessamentos, está a violência contra a mulher.
Na política de assistência, a questão social se apresenta em várias formas de violência, como a violência doméstica. O fato da população feminina constituir grande parte do público desta política pública faz com que casos deste tipo, sejam muito presentes no cotidiano dos equipamentos socioassistenciais. E sua complexidade exige preparo para lidar com os desafios postos aos profissionais na busca pela garantia de direitos destas usuárias. Entender o papel do SUAS e as possibilidades que ele oferece para que estas violações e vulnerabilidades sejam superadas é essencial para uma intervenção efetiva em casos de violência contra mulheres.
A importância da criação de vínculos entre vítima e equipamentos de assistência
A violação pode se apresentar de diferentes formas: psicológica, patrimonial, moral, física e sexual. E as pessoas violentadas muitas vezes não denunciam seus agressores por medo, pela sensação de insegurança, por não verem uma saída para esta situação ou mesmo por não se reconhecerem nela. Dessa forma, é necessário que o profissional de nível superior, tenha uma escuta apurada e não se limite a um atendimento superficial – essencial considerar a totalidade do contexto que apresenta a usuária (relações familiares, raça, condição econômica, sexualidade, etc), sem julgamentos e culpabilização da vítima.
O cuidado do acolhimento desde o primeiro contato estabelecido, definirá a confiança com o serviço, o que é fundamental para que uma pessoa fragilizada sinta-se segura em compartilhar o sofrimento vivido, consentir à intervenção e junto do profissional, estabelecer planos e metas para a superação da violência. Este acolhimento deve se estender à toda equipe, desde à recepção ao atendimento técnico, respeitando as atribuições de cada funcionário, mas principalmente respeitando as demandas das usuárias.
Nesse contexto, a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) e a Central de Atendimento à Mulher – “Ligue 180” são um marco e tornaram-se instrumentos importantíssimos e mais conhecidos no combate a violência contra as mulheres. Com a criação da Política Nacional de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres (2003), iniciativas como essa deram início à medidas organizadas dentro do âmbito estatal, visando proteger as mulheres.
Para que medidas como estas se expandam e sejam melhoradas, coleta de dados e diagnósticos do território onde estão inseridos os equipamentos são essenciais. Para tal, existe a Ficha de Notificação/Investigação Individual – Violência Doméstica, Sexual e/ou Outras Violências Interpessoais, ferramenta da Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde, que pode ser preenchida não só por profissionais da área, mas também por profissionais da assistência, em qualquer âmbito e enviadas à Secretaria Municipal. Essas informações também devem constar nos prontuários das usuárias, de forma sigilosa.
Leia também: Serviço de Acolhimento Institucional para Mulheres em Situação de Violência
Níveis de proteção social em casos de violência contra mulheres e serviços ofertados pelo SUAS
A Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais (2009), que organiza e padroniza os serviços da Proteção Social Básica e Proteção Social Especial de Média e Alta Complexidade, sendo este último o responsável pelo trabalho social com famílias com indivíduos em situação de ameaça e/ou violação de direitos. Seria então, a violência doméstica um assunto apenas para a Proteção Social Especial? A resposta é não!
No âmbito da Proteção Básica, os Centros de Referência de Assistência Social, conhecidos como porta de entrada da política, recebem casos como esse, por estarem presentes no cotidiano das comunidades do território onde se encontra e por serem muitas vezes o primeiro equipamento acessado pelas famílias. Seu papel proativo e protetivo é fundamental para que esta temática seja trabalhada junto à população constantemente, em caráter informativo, educativo e conscientizador contra todo tipo de violência, preconceito, discriminação e estigmatização, seja por meio de iniciativas como campanhas, reuniões, debates; ao trabalhar a questão nos grupos do Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos e no Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família, fortificando e promovendo a capacidade dos usuários em identificar e enfrentar quadros desse tipo. Além disso, é importantíssimo que articule e estenda esta atuação à outras entidades locais, como escolas, unidades básicas de saúde, centros comunitários, associações de bairros, movimentos sociais, etc.
Já a Proteção Social Especial trabalhará com as famílias onde há eminência da violação de direitos ou quando esta já ocorreu, contribuindo para o restabelecimento de sua função protetiva e provendo as condições e direitos necessários para a superação do rompimento de vínculos e vulnerabilidade em que se encontram. Aqui, vale destacar não apenas o papel do Centro de Referência Especializado de Assistência Social, mas também de equipamentos como os Centros de Referência de Atendimento à Mulher (CRAM), que alguns municípios dispõem, podendo variar sua nomenclatura e que apesar de não estarem tipificados, muitas vezes estão referenciados à este nível da política socioassistencial. Ainda neste âmbito da política, há como ferramenta crucial em diversos casos, os Serviços de Acolhimento Institucional à Mulheres em situação de Violência, já abordado no blog de forma elucidativa e que contribui não só para resguardar a vida mulheres, mas também para auxiliá-las a construírem novos projetos, desenvolver capacidades e autonomia na superação da situação de violência.
É imprescindível a compreensão de que mesmo que cessadas as agressões e a convivência com o agressor, este sofrimento gera consequências de longo prazo na vida das famílias vitimizadas e impactam o campo econômico, social, afetivo, devendo haver trabalho continuado. Aqui, após o desligamento dos equipamento de proteção social especial, deve haver o referenciamento ao PAIF, para que a família continue sendo acompanhada e seja promovido seu acesso a direitos sociais, bens materiais, por meio de benefícios, programas de transferência de renda, orientações e serviços de outras políticas.
Conclusão
A política de assistência social, como viabilizadora de direitos, deve atuar de forma intersetorial, auxiliando as vítimas de violência contra mulheres a conseguirem o suporte que necessitam seja ele jurídico, psicológico, social ou de saúde.
Os desafios que se apresentam são muitos e podem ser enfrentados com a busca constante por informação, pautados no respeito na intersetorialidade e na busca continuada por informação, para que se façam cumprir os princípios do SUAS, visando construir uma realidade segura para todas.
Referências Bibliográficas
Assistente social, Lei Maria da Penha é instrumento para o cotidiano!
http://www.cfess.org.br/visualizar/noticia/cod/1831
Atender Mulheres em Situação de Violência Doméstica e Familiar Baseada no
Gênero. https://www.mg.gov.br/servico/atender-mulheres-em-situacao-de-violenciadomestica-e-familiar-baseada-no-genero
Campanha do Laço Branco: Homens pelo Fim da Violência contra a Mulher
https://www.tjse.jus.br/portaldamulher/noticias/item/135-campanha-do-laco-brancohomens-pelo-fim-da-violencia-contra-a-mulher
Centro de Referência de Atendimento à Mulher – CRAM. Governo do Paraná.
https://www.justica.pr.gov.br/Pagina/Centro-de-Referencia-de-Atendimento-MulherCRAM
Centro de Referência da Mulher: Entenda como funciona!
https://blog.hygia.com.br/centro-de-referencia-da-mulher/
CFESS Manifesta Gestão Atitude Crítica para Avançar na Luta (2008-2011)
http://www.cfess.org.br/arquivos/CFESSMANIFESTA_ATITUDECRITICA(2008-
2011).pdf
Ficha de Notificação/Investigação Violência Doméstica, Sexual e/ou Outras
Violências Interpessoais. Secretaria de Vigilância em Saúde. Ministério da Saúde.
Brasil.
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/folder/ficha_notificacao_violencia_domestica.pdf
Homens pelo Fim da Violência Contra as Mulheres.
http://www.adolescencia.org.br/site-pt-br/campanha-do-laco-branco
Política Nacional de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher
https://www12.senado.leg.br/institucional/omv/acoes-contra-violencia/politicanacional-de-enfrentamento-a-violencia-contra-as-mulheres
Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais (2009).