O Impacto das Emendas Parlamentares no orçamento da Assistência Social

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As Emendas Parlamentares são instrumentos garantidos ao Poder Legislativo dos Estados e da União, utilizadas como mecanismo de alocação de recursos financeiros do poder público e, também, como forte capital eleitoral.

Antes de abordarmos especificamente sobre os impactos das Emendas Parlamentares no Orçamento da Assistência Social, importante situar, o que são e como estas refletem no orçamento público geral e em especial das Políticas Sociais.

Como funcionam as Emendas Parlamentares e como elas afetam o gasto público no Brasil?

A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) estabelece as metas e prioridades para o exercício anual do Poder Executivo (municipal, estadual e federal). A LDO é sempre apreciada e votada pelo Poder Legislativo e após aprovação segue para sanção do chefe do executivo em cada esfera.

No momento de apreciação do projeto de lei da LDO pelo Poder Legislativo Estadual e Federal, podem ser apresentadas as Emendas Parlamentares, ou seja, alterações no orçamento anual feitas diretamente pelos deputados e senadores. As Emendas Parlamentares são alterações que os congressistas fazem no orçamento normalmente para destinar verbas a uma determinada localidade, geralmente relacionada aos seus interesses temático e eleitoral.

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Especificamente no caso do orçamento federal, até 2015 as Emendas Parlamentares individuais eram incluídas pelos congressistas, mas a liberação da verba dependia do aval do Palácio do Planalto, ou seja, nem todas eram executadas. Então, em março de 2015, o Congresso aprovou a Emenda Constitucional 86, conhecida como PEC do orçamento impositivo, que tornou este tipo de emenda parlamentar de execução obrigatória. A Emenda Constitucional 86 fortaleceu os parlamentares, pois garantiu que uma cota mínima de emendas será sempre executada. Por outro lado, diminuiu o poder de barganha do governo, mas ainda preservou uma capacidade: ditar o ritmo de liberação de recursos das emendas.

Em 2019, outra Emenda Constitucional aprovada pelo Congresso Nacional fez com que as emendas de bancada também se tornassem impositivas. E, além disso, permitindo que as verbas das Emendas Parlamentares começassem a ser direcionadas diretamente para o caixa de municípios ou de estados, sem vinculação a um projeto específico.

“A disputa por recursos públicos sempre ocupou o núcleo da guerra política. Não é novidade que o dinheiro instrumentaliza a disputa pelo poder. Ou vice-versa. Dinheiro e poder sempre estabeleceram uma relação simbiótica e indissociável. No mais das vezes, pouco ou nada republicana. No âmbito das finanças públicas essa relação fica ainda mais visível, e podemos ver expostas boa parte das entranhas que se tenta esconder”. (José Mauricio Conti, Professor Associado de Direito Financeiro da FDUSP)

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Importante ressaltar que essa transferência de poder do Executivo para o Legislativo tem implicações que vão além da destinação das verbas, uma vez que repercute na qualidade e na fiscalização do gasto público, bem como na capacidade de se definir prioridades estratégicas que atendam às necessidades da população, em especial a demandante das Políticas Sociais.

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Como ficam as Políticas Sociais diante deste formato de orçamento público?

As emendas parlamentares são tradicionalmente utilizadas para projetos que atendam as bases eleitorais de deputados e senadores. São ansiadas pelos prefeitos e prefeitas por todo o país, mas nem todos os municípios conseguem acessá-las ou estas não são distribuídas de forma equânime.

Esse formato de distribuição é criticado por muitos gestores municipais, que responsabilizam o modelo de tributação brasileiro, centralizado na União. Diante do fato de que a maior parte dos tributos arrecadados fica no âmbito federal, cria-se uma dependência dos municípios às emendas parlamentares.

Os congressistas que defendem a ampliação das Emendas Parlamentares argumentam que se trata de um instrumento legítimo para atender às necessidades da população, como, por exemplo, construir uma ponte, comprar ambulâncias, maquinários, etc. Alguns deputados e senadores também dizem conhecer melhor as necessidades dos municípios do que o governo federal, pois têm contato frequente com suas bases.

No entanto, a própria Constituição Federal do Brasil distribui competências aos Poderes constituídos (executivo, legislativo e judiciário), bem como para cada um dos entes do executivo (municípios, estados e união). Além disso, existe um sistema de transferência obrigatória de recursos federais para prefeituras e governos estaduais e destes últimos para os municípios. Ainda, existe a capacidade de cada um dos entes arrecadar tributos – o ICMS, no caso dos estados, e o IPTU, no caso dos municípios, por exemplo. Assim, as Emendas Parlamentares retiram recursos públicos federais que já deveriam servir as necessidades das diversas políticas públicas.

Historicamente na Política de Assistência Social o processo de cofinanciamento das ações na área sofreu avanços e retrocessos, como apresentado no trecho a seguir:

A participação do orçamento da assistência social no orçamento da União sofreu um incremento considerável entre os anos de 2002 e 2012. E o repasse de recursos da União aos demais entes federados, por meio de repasses do Fundo Nacional de Assistência Social aos fundos estaduais e municipais de assistência social, significou a implantação e consolidação do SUAS. Nesse sentido, a forma de transferência de recursos via convênio, no âmbito do Suas, ficou circunscrita às despesas de caráter não continuado (Brasil, 2013), tais como a destinação de recursos para a construção de unidades ofertantes de serviços ou para os municípios contemplados com emendas parlamentares ao orçamento.

Contudo, a situação orçamentária da Assistência Social tem se agravado com o passar dos anos, em especial diante da ampliação de ações que fortalecem as políticas neoliberais e conservadoras, desde o ano de 2016. Exemplo cabal disso foi o corte substancial de recursos, acima de 90%, para área na LDO de 2023. Tal medida ocasionou reação dos diversos atores envolvidos com a Assistência Social dentre eles do Colegiado Nacional de Gestores Municipais de Assistência Social (CONGEMAS).

Aliado a todo esse processo soma-se o fato de que as Emendas Parlamentares, na maioria das vezes, são utilizadas para satisfazer às bases eleitorais de quem as indica. Dessa maneira nem todos os municípios são beneficiados e, no atual formato, não há como se garantir que serão priorizados municípios que precisariam de maior investimento para suprir as necessidades das Políticas Sociais, por exemplo.

E como essa dinâmica das emendas parlamentares impacta na Assistência Social?

O Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) publicou o documento “EMENDAS PARLAMENTARES: Contribuição para o fortalecimento da Política Nacional de Assistência Social por meio da estruturação da rede de serviços de proteção social”, em 2015, o qual foi atualizado no ano de 2019.

O documento de 2015 demonstrava claramente as fragilidades postas ao Orçamento da Assistência Social, afirmando que os recursos provenientes das Emendas Parlamentares “são de extrema importância para garantir a continuidade da oferta”, uma vez que:

“As dotações orçamentárias alocadas no projeto de lei orçamentária anual enviado ao Congresso Nacional, para o exercício 2015, não preveem a totalidade de recursos necessários ao cofinanciamento anual desses serviços. Contudo, é possível haver a apresentação de emendas parlamentares que ampliem a dotação dessas ações orçamentárias, de modo a garantir a continuidade da oferta.” (MDS, 2015, p. 5)

Já o documento de 2019 apresenta um panorama com a distribuição das Emendas Parlamentares para a Política de Assistência Social no Orçamento de 2018, onde se evidencia que:

“As informações constantes do mapa acima demonstram que alguns estados da federação são beneficiados com pouco, ou nenhum recurso de emendas parlamentares. Verifica-se a concentração da destinação de emendas às regiões sul e sudeste”. (MC, 2019, p. 8)

Acesse o documento atualizado clicando aqui

De início é possível afirmar as fragilidades enfrentadas ao Orçamento da Assistência Social, que historicamente não é priorizada nas esferas municipais, estaduais e federal, tradicionalmente gestores e gestoras da área precisam estar com o “pires nas mãos” na tentativa de viabilizar os recursos por meio das Emendas Parlamentares.

No Portal da Transparência, mantido pela Controladoria Geral da União, é possível visualizar o quantitativo de Emendas Parlamentares a cada ano, bem como sua forma geral de distribuição. Em 2022, considerando a distribuição por área de atuação, na Assistência Social são alocados parcos recursos, considerando-se o percentual total, onde mais de 60% neste ano foram viabilizados para a área da saúde. (FONTE: Portal da Transparência):

Ainda analisando os dados do Portal da Transparência, atualizados até outubro de 2022, verifica-se que foram efetivamente pagos na área da Assistência Social em torno de oitocentos e sessenta milhões de reais neste ano em Emendas Parlamentares.

Este cenário aponta, considerando a atual relevância orçamentária e financeira das Emendas Parlamentares, que entre os efeitos colaterais, desejados ou não, da criação do orçamento impositivo, a gestão da Política de Assistência Social, no âmbito federal, precisa reconhecer a necessidade de estreitamento do diálogo com o Poder Legislativo no que diz respeito ao processo orçamentário e à implementação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Nesse sentido precisam ser pensadas e operacionalizadas informações e análises que subsidiem, a partir da perspectiva do orçamento impositivo, a construção de uma agenda com o Parlamento brasileiro para o fortalecimento da Política de Assistência Social.

De maneira geral existe a percepção de que no campo da Assistência Social grande parte das Emendas Parlamentares é destinada à rede privada (entidades). No entanto, a base de dados disponível no Fundo Nacional de Assistência Social (FNAS) não disponibiliza a informação sobre o beneficiário final do recurso. Nesse sentido, é oportuno que o Ministério insira em sua base de dados de gestão dos convênios uma variável que possibilite a identificação do beneficiário final da emenda, pois essa é uma informação-chave para a gestão da Política de Assistência Social (MORAES, 2017, p. 911).

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CONCLUSÃO

Este texto não pretendeu esgotar o debate sobre os impactos das Emendas Parlamentares na Assistência Social, ao contrário deseja apenas iniciá-lo, propondo que os diversos atores envolvidos nesta Política qualifiquem o olhar no que se refere ao orçamento para a área, inclusive compreendendo o papel estratégico das emendas para sua operacionalização.

As Emendas Parlamentares são uma forma de descentralizar o orçamento, aumentando a participação de deputados e senadores no processo de definição do uso do dinheiro público. Deve ser operacionalizado de acordo com as necessidades da Assistência Social em cada esfera, mesmo diante dos muitos indícios de que esse instrumento foi descaracterizado e tornou-se uma estratégia de barganha e interesses particulares.

De fato, revisões são importantes nos processos do Orçamento Público, na garantia de desburocratização, descentralização, aliadas a segurança e eficiência da aplicação dos recursos para o conjunto da população brasileira.

Nesse sentido, para o Orçamento Público é preciso serem pensados instrumentos que ajustem e viabilizem um pacto federativo, com parâmetros técnicos, com planejamento específico nas diversas áreas para atender prioridades, seja na Infraestrutura, Saúde, Educação, Assistência Social, entre outras. Assim, é necessário priorizar áreas e programas, fazer uso racional dos recursos financeiros públicos, por meio de formulação estratégica das políticas públicas.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Caderno Suas
VI: financiamento da assistência social no Brasil. Brasília – DF, 2013.

Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS). EMENDAS PARLAMENTARES: Contribuição para o fortalecimento da Política Nacional de Assistência Social por meio da estruturação da rede de serviços de proteção social. MDS: 2015.

Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS). EMENDAS PARLAMENTARES: Contribuição para o fortalecimento da Política Nacional de Assistência Social por meio da estruturação da rede de serviços de proteção social. Ministério da Cidadania: 2019.

DELGADO, Rodrigo Morais Lima. Emendas parlamentares ao orçamento da assistência social no Brasil e seus efeitos na implementação do SUAS. In: Escola Nacional de Administração Pública (ENAP). Brasília: 2016.

MORAES, Bruno Pinto; SAGASTUME, Mariana Helcias Côrtes; BRITO, Rodrigo Lino de; & DELGADO, Rodrigo Morais Lima. Contribuição das emendas parlamentares ao orçamento do Sistema Único de Assistência Social. Rev. Serv. Público Brasília 68 (4) 889-914 out/dez 2017.

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