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A Assistência Social, enquanto política pública tem como um de seus pilares a compreensão da realidade social em que atua. No âmbito do SUAS – Sistema Único de Assistência Social, o território não é apenas um espaço geográfico, mas um conjunto de relações sociais, culturais e econômicas que constroem a vida da comunidade. Conhecê-lo significa identificar as demandas e potencialidades locais, bem como os fatores que geram ou agravam situações de vulnerabilidade e risco social. Na dinâmica viva do território se busca apreender as contradições, as ambiguidades e os potenciais presentes e futuros de evolução social ali contidos. (Brasil, 2014, p. 15)
O diagnóstico socioterritorial emerge, então, como uma ferramenta importante para essa tarefa, permitindo maior aproximação das necessidades da população e a construção de ações de interesse coletivo e de maior resolutividade.
Este artigo apresenta um Passo a Passo para mapear e compreender o território, destacando as principais etapas e as inovações que podem ser incorporadas a essa prática. Ao final, você terá uma visão completa sobre como essa ferramenta pode transformar a sua atuação na Assistência Social e fortalecer a oferta de serviços socioassistenciais, avançando na garantia de direitos.
O que significa conhecer o território?
Conhecer o território na Assistência Social vai além de mapear ruas e bairros. Significa compreender a dinâmica social, as relações, as culturas locais e as particularidades de cada comunidade. É mergulhar na realidade das pessoas, identificar suas necessidades e construir intervenções que respondam de forma organizada às suas necessidades. Ao conhecer o território, os trabalhadores do SUAS podem atuar de forma mais proativa, fortalecendo os vínculos sociais e prevenindo situações de vulnerabilidade.
[…] entende-se aqui que agentes diversos e concretos produzem e usam seu território como condição para sua reprodução; que a política pública da Assistência Social deve produzir uma territorialidade intencionalmente voltada à equidade na distribuição dos direitos e oportunidades sociais e; que os CRAS, a partir de suas localizações, devem potencialmente constituir-se em equipamentos potencialmente transformadores de condições institucionais, produzindo territórios de direitos, garantidos pelo Estado. (MELAZZO, E. S.; MAGALDI, 2014, p.19)
Ao conhecer o território, é possível identificar, os grupos mais vulneráveis, as desigualdades sociais existentes, bem como os recursos disponíveis na comunidade para seu enfrentamento. Essa compreensão permite orientar as ações, otimizando o uso dos recursos e maximizando os impactos. Além disso, o conhecimento do território facilita a construção de parcerias com outros setores, como saúde, educação e cultura, fortalecendo a rede de proteção social e garantindo uma abordagem mais integral.
A importância do trabalho intersetorial para conhecer o território
Com vistas a avançar no reconhecimento do território e suas especificidades, é preciso provocar a reflexão entre os agentes públicos sobre os atrasos de políticas que agem de modo isolado, desconexo ou com pouco diálogo. Nessa ótica, é importante destacar que quando há esta interface, é, na maioria das vezes, a Assistência Social que fica com a tarefa de dinamizar e movimentar ações intersetoriais, mobilizando os seus e os trabalhadores das demais políticas públicas para a co-responsabilização.
Construir relações intersetoriais exige a superação da perspectiva abstrata da direção intersetorial, de modo a caminhar para suas condições objetivas e reais. A perspectiva setorial, com base no real, exige que se conheça, por exemplo, a abrangência de cada escola, creche e serviços de saúde, no território. (SPOSATI, 2013, p. 17)
Desse modo, conhecer o território amplia a capacidade de articulação entre políticas públicas, fortalecendo a rede intersetorial. Por exemplo, uma área identificada com alta taxa de evasão escolar pode demandar parcerias entre a Assistência Social e a Educação.
Desafios e possibilidades para conhecer do território
O território vivido é utilizado pela política pública para o alcance de suas intervenções, mas, ao mesmo tempo, talvez seja a escala mais desconhecida nos processos de planejamento, pois dizem respeito às dinâmicas da vivência, do cotidiano, informações mais difíceis de serem capturadas.
Entre os principais desafios estão a escassez de dados atualizados, a resistência de algumas comunidades e a falta de qualificação das equipes técnicas. No entanto, com estratégias bem estruturadas, investimento em educação permanente e estruturação de equipes (concursos e remuneração adequada), esses obstáculos podem ser superados, trazendo resultados significativos para a gestão do SUAS.
Nesse complexo trajeto, entre os dispositivos a serem cumpridos e a dinâmica da realidade, é sempre um risco tornar um instrumento de gestão uma plataforma “burocraticamente correta”, porém “sem os pés no chão” (KOGA, 2016).
Diagnóstico participativo
O diagnóstico participativo é um dos pilares do mapeamento social. Ao envolver a comunidade na construção do conhecimento sobre o território, é possível identificar as necessidades e as prioridades locais de forma mais precisa e legitimada. Através de técnicas como oficinas participativas, grupos focais e assembleias comunitárias, os moradores e moradoras podem expressar suas demandas, compartilhar suas experiências e construir um diagnóstico coletivo. Essa participação ativa fortalece o sentimento de pertencimento e aumenta a adesão às políticas públicas.
Com base em entrevistas biográficas, tratou-se de apreender essas modulações de tempo-espaço nos percursos dos indivíduos e suas famílias, também cifradas nas defasagens e diferenças entre as gerações e, dessa forma, identificar a conjugação entre circunstâncias de vida, práticas e suas mediações. (TELLES & CABANES, 2006, p. 19)
Mapeando o Território
Passo 1: Definindo os objetivos
O primeiro passo é definir claramente quais informações você busca obter. Os objetivos podem variar desde a identificação de grupos vulneráveis até a análise das dinâmicas sociais locais. É fundamental que os objetivos estejam alinhados com as metas da sua instituição, programa ou serviço.
Passo 2: Delimitando o território
A delimitação do território a ser conhecido é indispensável para garantir a precisão dos resultados. Considere fatores como referenciamento socioassistencial, subdivisões administrativas, características socioeconômicas e a presença de grupos específicos. Se necessário, utilize ferramentas como mapas e sistemas de informação geográfica (SIG) para auxiliar nessa etapa.
Passo 3: Levantamento de dados e indicadores sociais
Esta etapa consiste na coleta de dados, ou seja, em reunir informações sobre o território. Dados sobre renda, escolaridade, moradia, violência e acesso a serviços são fundamentais para identificar as áreas de maior vulnerabilidade. Existem diversas fontes de dados que podem ser utilizadas, como:
- Dados secundários: Cadastro Único, IBGE, Censo, outra dados de órgãos públicos, etc.;
- Dados primários: Entrevistas, grupos focais, observação participante, questionários, etc.DICA: Utilize aplicativos móveis para facilitar a coleta de dados em campo e plataformas digitais para engajar a comunidade na construção do mapeamento.
Passo 4: Identificação dos serviços existentes
Identifique a rede de serviços públicos e privados disponíveis no território, como escolas, unidades de saúde, espaços culturais e organizações da sociedade civil. Esse levantamento é importante para identificar parceiros potenciais e recursos já existentes.
Passo 5: Diagnóstico participativo
Realize reuniões e grupos focais com a comunidade, ouvindo lideranças locais, conselhos de direitos e usuários dos serviços. Essa etapa garante que a percepção dos próprios moradores seja incorporada ao diagnóstico, trazendo maior legitimidade ao planejamento.
Passo 6: Georreferenciamento e cartografia social
Organize as informações coletadas em mapas georreferenciados, destacando áreas prioritárias e vulneráveis. Ferramentas como o Google Maps e sistemas de informação geográfica podem ser úteis para essa tarefa.
Passo 7: Análise de dados, de demandas e potencialidades
A análise dos dados coletados permite identificar padrões, tendências e as principais necessidades da população. Utilize ferramentas como planilhas eletrônicas e softwares estatísticos para visualizar e interpretar os dados.
DICA: Cruze os dados coletados com as demandas e as potencialidades identificadas no território, elaborando um diagnóstico que embasará o planejamento de ações e serviços.
Passo 8: Elaboração do Diagnóstico
Com base na análise dos dados, elabore um diagnóstico socioterritorial que sintetize as principais informações sobre o território. O diagnóstico deve ser claro, conciso e apresentar as principais necessidades e potencialidades da comunidade.
Passo 9: Planejamento das Ações
O diagnóstico servirá como base para o planejamento de intervenções no âmbito da Assistência Social. É importante que as ações sejam definidas de forma participativa, com a participação da comunidade e dos profissionais envolvidos.
Leia também: Passo a passo para utilizar a Vigilância Socioassistencial na estruturação do SUAS no seu município!
Conclusão
O diagnóstico socioterritorial é uma ferramenta poderosa, pois ao conhecer o território de atuação, é possível identificar as reais necessidades da população, planejar ações mais adequadas e monitorar os resultados.
Portanto, conhecer o território de atuação é um dos pilares para a efetivação da Política de Assistência Social. É por meio do mapeamento e do diagnóstico que gestores e equipes técnicas podem planejar ações mais resolutivas, promovendo a garantia de direitos e o fortalecimento de vínculos comunitários.
O território tem que ser entendido como o território usado, não o território em si. O território usado é o chão mais a identidade. A identidade é o sentimento de pertencer àquilo que nos pertence. O território é o fundamento do trabalho; o lugar da residência, das trocas materiais e espirituais e do exercício da vida. (Milton Santos)
Referências
BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Avaliação de políticas públicas: reflexões acadêmicas sobre o desenvolvimento social e o combate à fome, v.3. Assistência social e territorialidades — Brasília, DF: MDS; Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação, 2014.
KOGA, D. H. Medidas de cidades. Entre territórios de vida e territórios vividos. São Paulo: Cortez, 2003.
KOGA, D. H. Diagnóstico Socioterritorial entre o chão e a gestão. Ano 14, nº 243. vol. 14. São Leopoldo: Universidade do Vale do Rio dos Sinos: 2016.
MELAZZO, E. S.; MAGALDI, S. B. Metodologias, procedimentos e instrumentos para identificação, análise e ação em áreas de riscos e vulnerabilidades: construindo territorialidades no âmbito do SUAS na escala local. In: Avaliação de políticas públicas: reflexões acadêmicas sobre o desenvolvimento social e o combate à fome, v.3. Assistência social e territorialidades — Brasília, DF: MDS, 2014.
SPOSATI, A. Território e gestão de políticas sociais. SERV. SOC. REV., LONDRINA, V. 16, N. 1, p. 05-18, JUL./DEZ. 2013.
TELLES, V. da S.; CABANES, R. (Org.). NAS TRAMAS DA CIDADE: trajetórias urbanas e seus territórios. . São Paulo: Associação Editorial Humanitas, 2006.