Articulação em rede no cotidiano do psicólogo do PAEFI

Tempo de leitura: 9 minutos

Por: Ariane de Lima Macedo

A articulação em rede é característica elementar do trabalho social com famílias realizado pela equipe de referência no Serviço de Proteção e Atendimento Especializado – PAEFI. Tal trabalho visa a superação de violações de direitos, o que requer ações e acessos a outros serviços, órgãos e políticas. Porém, colocar essa atribuição em prática pode ser um desafio. Mas por que será que às vezes é tão difícil articular rede?

O papel do psicólogo nas equipes de referência do PAEFI

Vale lembrar que o serviço PAEFI trata-se do acompanhamento de famílias/indivíduos que estão em risco social ou tiveram seus direitos violados. Ao psicólogo que atua na equipe de referência do CREAS compete orientar, apoiar, oferecer o caminho para a superação da situação posta.

Diante do cenário vivenciado pela pessoa ou família atendida, cabe ao profissional de nível superior da equipe de referência (assistente social, psicólogo e advogado) promover o acesso aos direitos, preservar e/ou fortalecer as relações familiares e sociais.

Lidar diariamente com o sofrimento de pessoas vitimadas, ter jogo de cintura para acolher as dores causadas e conduzir o acompanhamento de diversas famílias em período integral exige uma força interna gigante. Ou seja, a natureza do trabalho no PAEFI já é fonte de desgaste emocional.

Como se não bastasse a demanda do público atendido, uma queixa comum entre os profissionais que compõem a equipe de referência, inclusive dos psicólogos do CREAS, é a respeito da dificuldade em articular a rede.

Mas, o que é essa tal articulação em rede?

Também compreendida como o trabalho intersetorial ou intersetorialidade, a articulação em rede é basicamente um “nome bonito” para o diálogo e trabalho colaborativo entre serviços, órgãos e profissionais de outros setores.

É importante salientar que a articulação em rede não é troca de favores nem terceirização de responsabilidades. Ela é inerente ao trabalho do psicólogo no PAEFI. Isso devido ao caráter de  incompletude da política de assistência social.

O princípio da incompletude significa que as políticas sociais, precisam atuar articuladamente a fim de cumprir seus objetivos.  Portanto, o psicólogo do PAEFI depende da articulação em rede para entregar o que é proposto enquanto profissional de nível superior da equipe de referência deste serviço. Ou seja, este profissional não é o único responsável por atender as demandas da pessoa ou família acompanhada, já que o que se quer é a oferta integral do atendimento, da proteção social

Assim, é possível compreender o motivo pelo qual a dificuldade de articular rede é fonte de preocupação e até estresse no cotidiano do psicólogo do PAEFI. Arrisco dizer que o profissional de nível superior da equipe de referência deste serviço sofre mais com esse mal do que o profissional de outras políticas públicas, como saúde ou educação, cujas responsabilidades não dependem de outra política para sua execução.

Tomemos como exemplo um acompanhamento de uma família cuja  criança sofreu violência sexual. Não é o psicólogo do PAEFI que vai acompanhá-la terapeuticamente, certo? Tal atribuição compete ao profissional da saúde.

O serviço de saúde terá sua função atendida ao receber a criança no consultório em horário agendado. Mas e quando a criança falta à consulta agendada? Em uma situação como esta, não raro, a família pode perder a vaga daquele acompanhamento – nem sempre há a busca ativa. Já presenciou algo parecido?

Pois bem. Dentre os direitos desta criança, está o seu acompanhamento em saúde. Entretanto, devido a fatores intrínsecos àquele serviço de saúde e questões institucionais, a família se depara com um cenário de, mais uma vez, perda de acesso a um direito. Haverá, possivelmente, dificuldade, fila de espera, enfim – burocracia – em reaver tal vaga. Isso quando a família vai em busca de reagendamento.

Então, o psicólogo do PAEFI pode atuar na articulação com a rede de saúde na tentativa de reaver o acesso da família àquele direito e enfrentar obstáculos.

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Dificuldades na articulação da rede

Se você trabalha ou já trabalhou em um serviço público, pode já ter vivenciado (ou até praticado) a seguinte situação: em reunião de equipe, colegas se queixando de um serviço – da saúde, seguindo o cenário ilustrado anteriormente. Imagine profissionais questionando as ações ou alegando omissões do outro equipamento.

Neste contexto, vale considerar que aquele profissional ou serviço possa estar fazendo a mesma coisa que você, caro colega de profissão: se queixando da negligência ou falta de resolutividade da equipe do PAEFI. Este contexto apenas distancia mais ainda a rede.

O que leva a haver conflito na interação entre os serviços? Muitos são os fatores que podem levar a dificuldade de articulação em rede:

  • Sobrecarga de trabalho,
  • Desgaste emocional provocado pela função realizada,
  • Burocracia/enrijecimento das regras,
  • Longas horas de atividades – em especial considerando que o psicólogo ainda não conquistou o direito às 30 horas semanais como nossos colegas assistentes sociais, por exemplo.

Tal contexto coloca o profissional em estado mais frágil de saúde mental. Esses fatores se transformam em fortes obstáculos no diálogo entre serviços. E então, é possível fazer algo para transformar esse quadro?

Leia também: Equipes de referência do PAEFI: atribuições e trabalho social

Como melhorar a articulação em rede?

A articulação da rede pode ser significativamente melhorada com passos simples e acessíveis. Aqui vão algumas propostas:

  • Empatia

Quando no trato com outro profissional ou serviço, é crucial lembrar-se que se tratam de pessoas. A empatia é um convite para humanizar a relação com os serviços e instituições. Afinal, eles são compostos por profissionais que, em sua maioria, estão naquele cargo por acreditar na possibilidade de mudança. Ninguém se torna psicólogo de CREAS porque é o melhor salário que se pode conseguir profissionalmente, concorda? O mesmo se aplica àquele colega que você está contatando.

  • Mande um sinal

Onde está a dificuldade em acessar a rede? Ao invés de direcionar a pessoa atendida ao serviço verbalmente, tente ligar lá. Não atende? Chame no chat. Recurso tecnológico indisponível? Que tal visitar aquele local pessoalmente? Ou então, pergunte ao colega que está ao seu lado. Quem sabe ele não tem uma ideia mais eficaz?  Acredite: muitas vezes, encontramos alguém que conhece alguém. Seja curioso.

  • Aprenda com o que cases de sucesso

É claro que nem toda articulação de rede é mal sucedida. Uma ideia é observar as parcerias de sucesso e buscar identificar o caminho que viabilizou o resultado positivo. Então, é possível experimentar repetir a estratégia onde ainda não se conseguiu superar obstáculos para a intersetorialidade..

  • Cuidado com o ego

Esteja atento para não se deixar seduzir pelo próprio ego. Às vezes até sem perceber, para evitar a fadiga de tentar acessar o outro, não pedimos ajuda por acreditarmos que podemos resolver sozinhos. O lugar do suposto saber pode ser perigoso, desgastante e até prejudicial ao acompanhamento daquela família.

  • Proatividade

Não espere a ação do outro. Tudo bem, compreendo que aquele serviço é que deveria ter encaminhado, que poderia ter ligado ou mandado um e-mail informando sobre a demanda. Que tal fazer diferente do outro?

  • Comunicação não-violenta

Muito tem se falado ultimamente sobre comunicação não-violenta. Essa estratégia tem como objetivo gerar mais compreensão e colaboração nas relações humanas – sejam elas pessoais ou profissionais. Uma boa dica é utilizar-se deste recurso para melhorar a relação com a rede.

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Dê o primeiro passo

Se você é psicólogo, sabe que não há receita de bolo para nossa atuação profissional. As incumbências do psicólogo de PAEFI, assim como de toda equipe do PAEFI, são árduas. Porém, ao melhorar a articulação em rede, o cotidiano pode parecer um fardo mais leve.

Quando se trata de intersetorialidade, convido você a não se deixar cair no  lugar do “isso não é meu papel”. Sabemos que estimular a intersetorialidade é uma função do gestor executivo. Porém se na prática esse estímulo não acontece e cada política atua isoladamente, podemos e devemos, usar  contatos pessoa a pessoa, para suprir necessidades que sabemos são institucionais. Lembre-se de qual é o foco do trabalho do psicólogo do PAEFI. É sobre aquela criança vítima de abuso, aquele idoso negligenciado, aquela pessoa com deficiência que está desprotegida, enfim, aquele sujeito que temos diante de nós.

Sua mudança de comportamento pode ser um forte agente transformador para sua articulação em rede e, de quebra, pode ainda ecoar positivamente em quem está ao seu redor.

É possível – e necessário – ampliar o debate sobre articulação em rede para o nível organizacional, evitando assim a pessoalidade sobre este ou aquele profissional da equipe de referência. Estratégias adotadas por toda a equipe e sistematizadas através de fluxogramas e protocolos são um caminho para a organização do trabalho intersetorial do PAEFI.

Que tal levar essa pauta para seu coordenador na próxima reunião da equipe de referência do PAEFI? Para qualquer grande mudança, é preciso um primeiro passo.

Leia também: A lei da escuta protegida e seus efeitos no SUAS

 

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