A instrumentalidade na oferta dos Serviços Especializados no SUAS

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Por Debora Begati

O Trabalho Social com Famílias desenvolvido no SUAS pressupõe fundamentos éticos, técnicos e metodológicos, endossando a perspectiva de trabalho racional, com esforços não somente físicos, mas sobretudo intelectuais. Denota uma capacidade de articulação entre teoria e prática, se contrapõe ao pragmatismo, onde as ações são mecânicas e realizadas como que automatizadas.

Mesmo tendo uma robusta construção teórica fundamentada em parâmetros bem definidos, o processo de trabalho no SUAS exige dos profissionais esforço contínuo em dar sentido e intenção, à partir dos fundamentos mencionados, às ações.

A reflexão pretende caminhar nesse sentido. Pensar a adoção de instrumentos e técnicas no SUAS, especificamente nos serviços especializados, para além de cumprimento de tarefas e execução de ações comuns aos profissionais do SUAS, mas pensar o processo de instrumentalidade nestes serviços.

 Serviços Especializados no SUAS

O SUAS se constitui num modelo de organização em níveis de proteção social. Como forma de qualificar a oferta e atenção à população a que se destinam os serviços, se organiza de forma setorializada na perspectiva de definir bem a atenção ofertada.

Portanto, tem-se dois níveis de proteção:

  • Proteção Social Básica, que se destina a famílias e indivíduos que vivenciam situações de vulnerabilidade social, decorrentes de múltiplos fatores sociais e que estão em situação de risco pessoal e social.
  • Proteção Social Especial, que se destina a famílias e indivíduos que vivenciam situações de risco pessoal e social e que tiveram seus direitos ameaçados ou violados por vivências de violências que se expressam das mais variadas formas.

Os serviços da PSE se subdividem em dois níveis de complexidade: Média complexidade, onde os vínculos familiares e comunitários, apesar da vivência de violência, estão preservados e Alta Complexidade, quando em decorrências das violações ocasionam o afastamento do convívio familiar e comunitário. Os serviços de cada nível de complexidade são:

Média Complexidade:

  • Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias Indivíduos (PAEFI);
  • Serviço Especializado em Abordagem Social;
  • Serviço de proteção social a adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de Liberdade Assistida (LA) e de Prestação de Serviços à Comunidade (PSC);
  • Serviço de Proteção Social Especial para Pessoas com Deficiência, Idosas e suas Famílias;
  • Serviço Especializado para Pessoas em Situação de Rua

Alta ComplexidadeServiço de Acolhimento Institucional;

  • Serviço de Acolhimento em República;
  • Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora;
  • Serviço de proteção em situações de calamidades públicas e de emergências.SITE GESUAS
    Instrumentos técnico operativos

No exercício de qualquer ofício, trabalho, atividade é necessário a utilização de meios pelos quais atingimos os objetivos da ação. Utilizamos então, instrumentos necessários e que auxiliarão no resultado. A escolha deste instrumental parte do sujeito envolvido no processo de trabalho, aliando conhecimento técnico sobre a ação e meta a ser atingida. Com base nisso, ele identifica o melhor meio, o melhor instrumento.

Nos serviços especializados no SUAS o trabalho desenvolvido com as famílias demanda instrumentos que serão pensados no processo de planejamento do trabalho. Os profissionais escolhem, de forma intencional e com objetivos claros quais instrumentos são importantes para aquele processo de intervenção.

Dentre os instrumentos mais utilizados no cotidiano dos serviços especializados destacamos:

  • Entrevistas – podem ser entendidas como as conversas, de natureza técnica, estabelecidas entre profissionais e usuários dos serviços, ou com outros agentes institucionais. Podem ser orientadas por formulários ou diálogo aberto.
  • Visitas Domiciliares – Modo de aproximação que os profissionais utilizam para compreensão da realidade familiar. Como o próprio nome indica, refere-se ao deslocamento técnico até a residência da família. Importante que o manejo deste instrumento implique consentimento da família e agendamento prévio.
  • Reuniões – Espaços coletivos de intervenção com várias famílias oportunizando uma modalidade coletiva da oferta da ação. Modo pelo qual é possibilitado convívio e troca de experiências e informações.
  • Encaminhamentos – Movimento que permite oportunizar à família acesso, ao ser direcionada, a outras políticas setoriais e serviços disponíveis como forma de atendimento das necessidades apresentadas.
  • Oficinas – Forma de atender coletivamente um grupo de famílias e ofertar atenção sobre determinado assunto de curto prazo. Meio que garante acesso a direitos e acesso com qualidade ao serviço e a informações.

Estes, dentre outros que podem ser identificados no cotidiano, são meios pelos quais buscamos atingir as seguranças e aquisições propostas pelos serviços especializados. São usados de forma técnica e estratégica e implicam conhecimento sobre como manejá-los para que não sejam ações sem sentido e mero cumprimento de etapas.

Instrumentalidade

Diante do que temos como instrumentos de trabalho e quais comumente utilizamos nos serviços especializados do SUAS, é preciso compreender o que é instrumentalidade. Não seria o fato de colocar em uso os instrumentos?

Veja bem, primeiro é importante destacar que os instrumentos citados não são ações privativas do SUAS, embora sejam muito utilizados pelo serviço. E não são privativos dos profissionais de nível superior do SUAS. E não, instrumentalidade não é apenas o fato de colocar em prática determinado instrumento. Uma visita, por exemplo, sem nenhum objetivo, fundamentada e embasada em intenções técnicas, é apenas uma visita, um deslocamento e coleta de informações sobre determinada família.

Então o que faz com que esta visita não seja apenas um deslocamento? Ou ainda, diferencia uma visita realizada por qualquer outro profissional que não o técnico de nível superior?

A resposta é Instrumentalidade.  Ou seja, a incorporação do arcabouço teórico – metodológico, ético- político dos profissionais e do SUAS aos instrumentos adotados nas intervenções. Manejar os instrumentos à luz de todo conhecimento e fundamentação existente. Esse movimento traz sentido, intencionalidade e conduz a prática rumo ao impacto esperado na vida das famílias e do território em questão.

Um mesmo instrumento possibilita resultados diferentes, o que modifica os resultados é a instrumentalidade. O que diferencia a utilização de um mesmo instrumento por profissionais de nível superior do SUAS dos demais profissionais é a instrumentalidade.

A instrumentalidade contrapõe a lógica de pragmatismo e execução mecânica das ações, ela promove reflexão crítica e possibilita análise técnica dos resultados alcançados, possibilita racionalidade e intencionalidade na escolha de instrumentos pelo profissional.

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Oferta dos serviços especializados no SUAS

Os serviços especializados, materializam a forma de proteção social especial a indivíduos e famílias no SUAS. Tem esforços no sentido de oportunizar a superação das formas de violências vivenciadas, construir e reconstruir vínculos para que estas pessoas possam superar a situação e prevenir novas formas de violência bem como a reincidência.

Para que as ações sejam possíveis, os técnicos de nível superior, que compõem as equipes de referência de cada serviço, desenvolvem o Trabalho Social e optam, no processo de construção dos planos de acompanhamento, por instrumentos e técnicas que irão auxiliar no alcance dos resultados definidos junto à indivíduos ou família.

Não é possível realizar as ações, sem definir tais instrumentos e pautá-las nos fundamentos compatíveis com os objetivos e seguranças afiançados no SUAS. Portanto a escolha dos instrumentos é realizada a partir dos fundamentos que direcionam os projetos profissionais e os que o SUAS tem como base.

É importante que haja reflexão sobre o manejo dos instrumentos adotados para efetivar o Trabalho Social na Proteção Social Especial. A instrumentalidade promove uma reflexão crítica e propositiva, traz movimento dialético para o processo de construção e reconstrução das ações. Reflete criticamente sobre os aspectos determinantes para as formas de manifestação de violência e qualifica a oferta da proteção social.

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Conclusão

O trabalho técnico cotidiano do SUAS é intenso e desafiador. Há uma somatória de fatores externos que tendem às formas pragmáticas e de escolha mecânica dos instrumentos e técnicas. Desta forma há um estreitamento das formas de intervenção no Trabalho Social com indivíduos e famílias.

Apesar de inúmeros desafios, que superam muitas vezes as possibilidades técnicas, não podemos perder de vista que a adoção e condução das ações, no bojo de trabalho com os indivíduos e as famílias, é essencialmente trabalho técnico. E neste ponto temos grandes possibilidade de autonomia, desta forma a instrumentalidade é um meio pelo qual conseguimos romper com os horizontes estreitos e materializar os fundamentos do SUAS.

Sem dúvidas, a instrumentalidade possibilita qualificar a oferta dos serviços especializados no SUAS auxiliando no cumprimento dos seus objetivos e alcance dos resultados.

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