Vamos falar sobre o aperfeiçoamento contínuo do SUAS?

Tempo de leitura: 8 minutos

Por Débora Begati

A política de Assistência Social, inegavelmente, desde a sua concepção, na conjuntura pública de proteção social e afirmação enquanto direito social e dever de estado, avançou de forma arrojada e robusta nas duas últimas décadas. A implantação de um Sistema Único em todo território nacional, atuando de forma descentralizada e com uma gama de serviços organizados por níveis de proteção, foi um importante passo diante do contexto da política de Assistência Social até aquele momento.

A conjuntura que marca a Assistência Social remonta práticas desarticuladas e imediatistas, improvisadas e reativas diante das demandas existentes. Romper com esse cenário, de fato, foi um significativo marco na proteção social brasileira.

Nesses 20 anos da existência do SUAS tem-se grandes conquistas e importantes avanços, contudo, faz-se necessário uma discussão permanente sobre diversos pontos para que sua ação seja aperfeiçoada constantemente e não fique estagnada com pragmatismos e remonte ideais conservadores e de desproteção social.

Nesse sentido, uma das formas efetivas que se tem para essa discussão é a participação democrática, incluindo todos os atores que estão inseridos no cotidiano dessa política, seja na condição de trabalhadores, gestores ou usuários do SUAS.

Dentre as várias possiblidades de debate, tem-se a Conferência de Assistência Social que ocorre de forma descentralizada com vários eixos de discussão que se relacionam à prática dos últimos anos e que precisa ser pensada e repensada, com intuído de aprimoramento da gestão e organização dos serviços, programas, projetos e benefícios.

Dentre os eixos, destaca-se nesse momento o 2°, que se refere a: Aperfeiçoamento continuo do SUAS: Inovação, Gestão Descentralizada e Valorização Profissional. Três pontos importantes que requerem atenção para que não se reduza o SUAS à práticas ultrapassadas, ou seja, aquelas que permanecem estáticas sem acompanhar as necessidades da atualidade.

Inovação

O SUAS deve avançar na adoção de técnicas e métodos de trabalho que correspondam à realidade e que aprimore a prática em todos os níveis, gestão, operacionalização dos serviços e controle social.  É possível perceber que determinas condutas e dinâmicas utilizadas não conseguem alcançar os resultados que talvez a anos atrás conseguiria. Isso se dá devido ao processo dinâmico em que a sociedade está inserida, exigindo transformações e aperfeiçoamento de técnicas e métodos.

Um exemplo é  a forma de produção de dados dos atendimentos. Ainda na atualidade é possível identificar práticas ultrapassadas, como o preenchimento manual de informações, comprometendo significativamente o desenvolvimento de ações bem como o planejamento e avaliação da política pública.

Outro exemplo, é a presença marcante de ações clientelistas e filantrópicas nos serviços, conduzidos pela lógica de ações de caridade e boa vontade por parte da gestão pública. Ações ultrapassadas e sem caráter técnico e metodológico.

Poderíamos mencionar muitas outras situações que ocorrem no cotidiano da assistência social. Para que situações como estas sejam superadas é importante que, à luz do que já se tem produzido de normativas, informações e evidências práticas, exista um processo reflexivo por parte da gestão e dos trabalhadores, sobre a adoção de processos metodológicos eficazes, modernos e condizentes com o SUAS.   A vigilância socioassistencial é um dos caminhos possíveis para o alcance desse objetivo, desde que se implante e organize esse setor buscando adotar tecnologias inovadoras e trabalhadores capacitados para operar os dados, produzindo informações de qualidade.  Assim, A VSA,  setor importante de apoio à gestão e também função da política de assistência, poderá contribuir no processo de monitoramento a avaliação indicando como está o funcionamento da política de assistência e quais caminhos possíveis para seu aperfeiçoamento.

Leia também: 20 anos do SUAS: a participação social como instrumento da democracia

Gestão descentralizada

O aperfeiçoamento no âmbito da gestão descentralizada no SUAS pode se traduzir na manutenção do pacto federativo levando em consideração as especificidades locais em todos os níveis, inclusive orçamentário. Compreender, a partir de dados obtidos, as questões regionais e identificar o que é preciso para que o SUAS de fato seja um único sistema, ou seja, que ele seja uma realidade comum e não sofra tantas ameaças em sua forma, função e objetivo.

Embora o Brasil tenha características muito diversas e contemple uma heterogeneidade de modos de vida e cultura, o SUAS precisa ter uma única tônica em todo território nacional: o da proteção social conforme as normativas vigentes, para que não fique vulnerável aos processos ideológicos que não condizem com a sua fundamentação ético político.

Desta forma é preciso uma resistência para não se ter “vários SUAS”. É preciso um mesmo debate, uma mesma forma de compreender a importância dessa política pública num sistema de proteção social, que seja prioridade em todos as esferas federativas. Evitando assim  que ela seja adaptada a formas personalistas de pensá-la e executá-la.

Veja como Pombal implantou a Vigilância Socioassistencial em poucos meses em nosso case de sucesso!

 

Valorização Profissional

Os serviços do SUAS são construídos a partir de pressupostos teóricos metodológicos que se ancoram em princípios ético políticos e técnico operativos. Isso significou um salto na profissionalização das ações da política de Assistência Social que historicamente não tinham essa característica e eram desenvolvidas por pessoas que tivessem a boa vontade em ajudar, não exigindo formação técnica em área específica.

No entanto, ao longo dos anos, embora com caminhos bem definidos nas normativas quanto às competências e atribuições, o que se percebe é um acúmulo de trabalho dos profissionais das equipes de referência dos serviços, devido ao crescente volume de demandas, que muitas vezes são atendidas com práticas que não refletem o grande avanço normativo e metodológico do SUAS.

A NOB SUAS RH traz a composição das equipes de referência, no entanto, ainda hoje se pratica o conceito de “equipes mínimas”, para compô-la. Percebe-se que essas equipes não correspondem a necessidade dos serviços. As equipes não conseguem ser de fato, referência de proteção social nos territórios. A composição das equipes exige  um estudo profundo sobre as atribuições, atividades, tempo para realizá-las e levantamento das necessidades de formação e capacitação dos profissionais.

A realidade é de profissionais acumulando competências de mais de um serviço, desenvolvendo ações em equipes com número insuficiente de profissionais para a necessidade local. Muitas vezes a falta de ampliação é justificada pela ausência de recursos financeiros, sem que haja planejamento para superação dessas questões.

Vale ressaltar que no campo dos desafios vivenciados pelos profissionais do SUAS se destacam alguns, que infelizmente são parte da realidade da maioria dos municípios: vínculos frágeis de trabalho que se aliam as diversas formas de assédio moral no trabalho, baixos salários e desvalorização de carreira, ausência de recursos básicos de infraestrutura para execução das ações, ausência de investimento na educação permanente entre outros.

Como classe trabalhadora, os profissionais vivenciam as inflexões cotidianas da correlação de forças no campo de trabalho, situações que expressam uma contradição própria do sistema no qual estão inseridos. Portanto, faz-se necessário uma discussão comprometida com um recurso tão importante, o recurso humano, já que os trabalhadores representam a força motriz dessa grande engrenagem que é o SUAS.

Leia também: Universalidade da Assistência Social: princípios e práticas

Aperfeiçoamento contínuo no SUAS

Os três pontos mencionados  Inovação, Gestão Descentralizada e Valorização Profissional formam um importante tripé para aperfeiçoamento do SUAS na atualidade. Uma gestão que se apoia nesse tripé e se orienta por uma vigilância socioassistencial baseada em dados e com práticas modernas, terá uma condução com maior clareza nos caminhos e nas decisões a serem tomadas. Estará sob uma ótica que conduza para esse aperfeiçoamento contínuo.

A gestão conseguirá potencializar os recursos, fortalecer os serviços de maneira a garantir qualidade na infraestrutura, bem como valorização dos trabalhadores que operam cotidianamente as ações do SUAS. E assim conseguirá garantir qualidade na oferta da proteção social no âmbito do SUAS.

Conclusão

As conferências são espaços de luta e grande esperança para novos rumos. A discussão precisa ser comprometida, verdadeiramente alinhada com a busca pelo avanço da política de assistência social. O aperfeiçoamento pode e deve ser buscado por todas as pessoas que estão inseridas no SUAS.

É tempo de olhar à frente e conseguir pensar novas formas e novos processos que auxiliem o SUAS a não estagnar ou retroceder. A resistir sobre o que já foi construído, lutar para que não fique no mesmo lugar, mas ao contrário, que avance ainda mais.

Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *