Como garantir proteção social? A prática das equipes de referência do SUAS na pandemia 

Como garantir proteção social? A prática das equipes de referência do SUAS na pandemia 

Tempo de leitura: 9 minutos

Tão logo a pandemia se instalou em nosso País, a Assistência Social foi considerada uma área essencial para o seu enfrentamento. Com isso, as equipes de referência no SUAS começaram a encarar desafios ainda maiores.  Além dos referentes à necessidade de suspensão das atividades e dos atendimentos presenciais. Somaram-se os desafios com os quais estamos lidando há anos. Falta de recursos, quantidade inadequada de trabalhadores, ausência de serviços, dificuldades de articulação. 

E sobretudo as dificuldades e desafios de superação das práticas assistencialistas, focadas no individuo e na pobreza. Ou seja, as dificuldades inerentes à implantação do SUAS. 

As práticas assistencialistas e a oferta da Assistência Social

A Constituição Federal de 1988 trouxe uma alternativa ao assistencialismo. Propôs a oferta da proteção social enquanto direito do cidadão e dever do Estado. As diretrizes da politica pública de Assistência Social falam em descentralização e participação. E sobretudo, preconizam ações focadas nas famílias e não mais nos indivíduos. 

A nova proposta traz a necessidade de desenvolver uma visão ampliada sobre a realidade dos usuários vivenciadas em territórios vulneráveis. Pressupõe o olhar vigilante sobre essas famílias e os territórios onde vivem. Identificando as desproteções sociais vivenciadas coletivamente. E fazendo o seu enfrentamento por meio de abordagens grupais e coletivas. O atendimento individualizado deve ser exceção e não regra. A família passa a ser o foco das atenções e ações. O acompanhamento familiar é o grande diferencial. Se sobrepondo ao simples atendimento individualizado de demandas materiais. 

Leia também: SCFV na Pandemia

Os desafios da implantação do SUAS e concessão de alimentos

As dificuldades para superar o assistencialismo e suas práticas pontuais, descontinuadas e focadas no individuo sempre estiveram presentes. Os profissionais das equipes de referência do SUAS vem vivenciando isso no seu dia a dia. Ofertar proteção social e não apenas atender imediatamente uma demanda material pontual é um constante desafio. Organizar, estruturar e criar as estratégias e meios para cumprir as seguranças afiançadas pelo SUAS é um processo. Compreender as normas e orientações técnicas e implantá-las na prática é um desafio constante. 

O fato é que nesse cenário pandêmico todas essas questões foram potencializadas. 

Além de todas essas dificuldades inerentes à implantação do SUAS somou-se a visão que a sociedade, historicamente tem sobre o que é a assistência social. Já vimos que a assistência social sempre esteve vinculada ao assistencialismo. Sendo assim, até hoje é identificada com suas primeiras formas de prestação de assistência. Como por exemplo, a oferta de assistência aos pobres por meio da concessão de alimentos.  

E essa incumbência permanece ligada à assistência social, até hoje.  E não na perspectiva do direito dos cidadãos à segurança alimentar. E sim, numa perspectiva assistencialista, como caridade, esmola, ajuda. As equipes de referência vem lidando com esse obstáculo. O de conceder alimentação na perspectiva do direito. Promovendo as discussões necessárias em torno da necessidade de ofertar serviços e não apenas alimentos. De promover ações de acompanhamento familiar que de fato garantam  seguranças e aquisições aos usuários. 

Nessa perspectiva, a concessão de alimentos, de cesta básica deve ser discutida como acesso a um direito humano fundamental. Assim, a sua oferta deve ser garantida de forma regular e frequente. O que nos leva a questionar se é a Assistência Social por meio de um beneficio que é eventual que deveria estar assumindo essa responsabilidade.  Já que com a pandemia se tornou ainda mais evidente, que a falta de alimento é uma questão crônica para grande parte da população. 

Saiba como preencher um Plano de Acompanhamento Familiar (PAF) com o modelo do Gesuas!

O advento da pandemia 

Muito esforço e investimento vinha sendo realizado por gestores e trabalhadores para a oferta da Assistência Social na lógica do direito. Para romper com as práticas assistencialistas e ofertar a proteção social garantida na Constituição Federal. Esses Municípios avançaram na consolidação do SUAS. Fizeram a reestruturação dos órgãos gestores. Adequaram, modernizaram e/ou criaram leis que regulamentaram a oferta da Assistência Social. 

Implantaram as áreas essenciais do SUAS e adequaram as equipes de referência. Criaram seus planos de educação continuada. Garantindo o conhecimento necessário para que as equipes ofertassem a Assistência Social na forma das normas, leis e orientações técnicas. Realizaram concursos públicos e concretizaram planos de carreira. Fortaleceram o controle social. 

Outros municípios foram além, implantaram sistemas de informação capazes de agilizar o atendimento do usuário. Integrando os equipamentos socioassistenciais e padronizando o registro de informações. O que ainda facilitou bastante a implantação efetiva da Vigilância Socioassistencial. 

No entanto, alguns municípios ainda possuíam um SUAS fragilizado. E nesses o impacto da pandemia foi bastante significativo. As determinações legais foram no sentido de que os gestores garantissem a oferta dos serviços e programas. Que reorganizassem as equipes e os equipamentos para continuar ofertando atendimento. Que planejassem a manutenção das atividades substituindo os atendimentos presenciais por atendimento à distância. No entanto, o que verificamos é que, na prática, aconteceu um retorno às praticas assistencialistas. Em função da precariedade da Assistência Social enquanto direito. 

A suspensão do atendimento presencial, em grupos e ações coletivas, trouxeram de volta para muitas equipes o atendimento caso a caso, individualizado e imediatista.  A oferta dos serviços foi suspensa, para garantir o isolamento social. Sem contudo, em muitos casos, buscar-se o atendimento à distância. A incumbência da Assistência Social se restringiu à concessão de alimentos e ao atendimento individualizado das vitimas de violência. 

Leia também: Articulação necessária na Proteção Social Básica

Como garantir a proteção social

Já sabemos que a pandemia trouxe o agravamento das questões sociais, o aprofundamento das desigualdades. Aumentou o desemprego e a violência nos territórios. Trouxe também como vimos, a potencialização das dificuldades históricas de implantação e operacionalização do SUAS. Nesse cenário, a questão central que preocupa muitos trabalhadores é como a garantir proteção social? Como não restringir a Assistência Social à concessão de alimentos? Como fortalecer o SUAS e não apenas manter mas, mas ampliar a oferta dos serviços e benefícios? 

No texto já apontamos alguns caminhos. Mas, vamos elencar algumas reflexões necessárias:

  1. Sobre a prática profissional – Nosso fazer profissional está amparado nas leis, normativas e orientações técnicas? Utilizamos as metodologias previstas? 
  2. Garantia de espaços coletivos de reflexão – Identificamos  um descompasso entre o que preconizam as leis e as orientações técnicas, e o fazer cotidiano?  Buscamos fomentar o diálogo com os demais profissionais para coletivamente encontrarmos estratégias de ação?
  3. Qualidade do atendimento – Buscamos meios para ultrapassar o automatismo e o imediatismo do fazer profissional garantindo a escuta, o estudo, o olhar para além da demanda trazida pelo usuário? Ampliamos o olhar para as questões relacionais?
  4. Registro – Buscamos as  formas de garantir o registro dos atendimentos? Utilizar os instrumentais já existentes, tais como o Prontuário SUAS, para a construção de uma pratica pautada no profissionalismo?

Outras atitudes e ações necessárias: 

  1. Quantificar, sistematizar dados que apontem para as questões e demandas que são coletivas e que portanto devem ser atendidas grupal e/ou coletivamente
  2. Refletir sobre as estratégias possíveis que ampliem as possibilidades de tratar coletivamente as demandas.
  3. Promover ações em grupo e coletivas que busquem discutir com os usuários o seus direitos socioassistenciais. Refletir com a população o uso clientelista dos beneficios e dos serviços. Entender o usuário como elemento essencial para a superação do assistencialismo, discutindo coletivamente e identificando-os como sujeito de direitos. 
  4. Planejar – O planejamento é essencial para a superação das praticas assistencialistas que são pontuais e imediatistas. 
  5. Buscar fazer um diagnóstico da realidade vivenciada nos territórios, da situação atual da oferta dos serviços, programas e benefícios. Identificar as prioridades levando-se em conta as especificidades do município. Planejar ações que estejam referenciadas nas normativas do SUAS. 
  6. Implantar o planejamento e executar as ações. 
  7. Realizar o monitoramento e a avaliação periódicas, por meio de reuniões periódicas. 

Afastar o retorno ou distanciar-se cada vez mais das práticas assistencialistas é assumir o novo patamar da Assistência Social. É buscar na ampla legislação o amparo para as nossas reflexões e ações cotidianas. A oferta da Assistência Social na lógica do direito está garantida legalmente.  É um direito constitucional. Não é caridade ou favor. Assim, não há outro caminho senão o de buscarmos diálogos com nossos pares, com as demais politicas sociais, com o sistema de garantia de direitos.  Que avancem no entendimento das especificidades da Assistência Social. Descontruindo a visão de filantropia de nossas ações. E do uso de serviços e benefícios de forma clientelista. 

prontuário SUAS online

Conclusão

O maior desafio das equipes do SUAS tem sido, de fato, tornarem-se referência de proteção social para os usuários da Assistência Social. Desconstruírem a ideia de oferecer ajuda, socorro, de responderem imediatamente demandas materiais.  Realizar o trabalho social, planejado e continuada, conforme disposto nas normativas e orientações técnicas. E ainda mais, discutir junto aos usuários as dificuldades e limites de sua atuação diante dos desafios atuais. Afinal, a desproteção em relação à ausência de alimentação, por exemplo,  mostra-se na maioria dos casos ser uma situação crônica e não eventual. Resultado da desigualdade social. Portanto, é necessário dialogar com os usuários, sobre a realidade socioeconômica e de como ela impacta a vida das familias. Dialogar sobre a falta ou insuficiência de recursos humanos e financeiros para operacionalizar as ações da Assistência Social a que a população tem direito.  E assim, rumar para o fortalecimento do SUAS. 

Leia também

 

Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *