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Por: Ellen Mariane Alves Coleraus
O Sistema de Justiça se constitui como um dos vários atores no território com os quais o SUAS deve possuir uma articulação, dialogar e estabelecer fluxos para o atendimento de usuários e famílias.
Essa relação é mais acentuada com as unidades/serviços de Proteção Social de Média e de Alta Complexidade. Entretanto, considerando a realidade de considerável parte dos municípios do Brasil, de pequeno porte I, essa relação também se apresenta às equipes de Proteção Social Básica, ou seja, dos CRAS.
Entretanto, o que se problematiza há anos no SUAS é que pela ausência de equipes próprias no Sistema de Justiça, ou mesmo pela incompreensão do real papel do SUAS, são realizadas imposições às equipes socioassistenciais que extrapolam as suas competências, independente do nível de proteção (Básica ou Especial).
Essas requisições, não apenas sobrecarregam as equipes, como desvirtuam sua finalidade de promover a proteção social. As Orientações Técnicas sobre o PAIF (2012), tanto em seu volume 1 como 2, reforçam o que não se constitui como atribuição das equipes de PAIF na relação com Sistema de Justiça e outras políticas públicas. Do mesmo modo, a Nota Técnica nº 02/2016 da SNAS, reafirma o que compete e o que não compete ao SUAS.
Ocorre que essas Orientações ainda não se mostraram como instrumentos legais suficientes, para um posicionamento adequado das equipes socioassistenciais frente as requisições indevidas.
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A Resolução CNAS nº 119/23
Em 2023, o Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS, publicou a Resolução CNAS nº 119, de 4 de agosto de 2023. A Resolução aprova os parâmetros para a atuação do Sistema Único da Assistência Social (SUAS) na relação interinstitucional da rede socioassistencial com o Sistema de Justiça e outros Órgãos de Defesa e Garantia de Direitos.
A Resolução CNAS nº119/2023 reafirma os posicionamentos das orientações anteriores e garante maior segurança aos profissionais, ante intimações para o cumprimento de demandas que confrontam a oferta da proteção social. Do mesmo modo, garante uma relação de horizontalidade na articulação que deve existir tanto com o Sistema de Justiça quanto com outros órgãos de Defesa e Garantia de Direitos, considerando que cada um possui igual importância no atendimento à população.
Conforme disposto no seu Art.° 1, a Resolução reconhece e afirma o escopo e a natureza do trabalho social desenvolvido no âmbito do Sistema Único da Assistência Social pela (o) s trabalhadora (e) s das equipes de referência da rede socioassistencial, de modo a subsidiar o diálogo na relação interinstitucional com órgãos do Sistema de Justiça e Órgãos de Defesa e Garantia de Direitos, tais como Poder Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública.
Assim, reafirma que a realização do trabalho social com famílias, desenvolvido nos serviços socioassistenciais, exige domínio de conhecimento, posicionamento e responsabilidade ética, de estratégias metodológicas, e de uso de instrumentais técnico operativos, conforme necessidades identificadas (Art.7°). Ou seja, as determinações sobre que tipo de ação é mais adequada e em qual tempo deve ser/pode ser realizado com os usuários e famílias, compete às equipes de referência dos serviços e não às instituições que as encaminham.
Lidar com usuários e famílias em situação de vulnerabilidade e risco social, ou já em situação de violação de direitos, exige um processo de construção de vínculos entre as (os) usuárias (os) e as equipes de referência dos serviços requer confiança, sigilo e adoção de condutas que não exponham ou fragilizem as famílias e indivíduos diante das vulnerabilidades enfrentadas (Art.15°).
Deste modo, a imposição de instrumentos e procedimentos de caráter investigativo ou processos de responsabilização, são impeditivos para a concretização da proteção social prevista no SUAS. São eles:
I – realização de perícia;
II – inquirição de vítimas e acusados;
III – oitiva para fins judiciais;
IV – produção de provas de acusação;
V – guarda ou tutela de crianças e adolescentes de forma impositiva aos profissionais do serviço de acolhimento ou ao órgão gestor da assistência social, salvo nas previsões estabelecidas em lei;
VI – curatela de idosos, de pessoas com deficiência ou com transtorno psíquico de forma impositiva aos profissionais de serviços de acolhimento ou ao órgão gestor da assistência social, salvo nas previsões estabelecidas em lei;
VII – adoção de crianças e adolescentes, ou acompanhamento do processo de habilitação;
VIII – averiguação de denúncia de maus-tratos contra crianças e adolescentes, pessoas idosas ou pessoas com deficiência, de violência doméstica contra a mulher;
IX – atuar como testemunha em processos criminais em razão das informações de que teve conhecimento no exercício da sua função;
X – prestar informações de caráter sigiloso contempladas na 12.527, de 2011(Lei de Acesso à Informação – LAI);
XI – realizar escuta de crianças e adolescentes em situação de violência relacionados ao Depoimento Especial, ou seja, com objetivo de averiguação ou confirmação dos fatos e produção de provas para o processo de investigação e de responsabilização; e
XII – acompanhar oficiais de justiça no exercício de cumprimento de ordem judicial, a exemplo de busca e apreensão de crianças e adolescentes, processos de despejo e reintegração de posse, e outras que resultem na fragilização do vínculo com as famílias e indivíduos.
A importância da implantação de fluxos
A Resolução CNAS 119/2023, reitera que considerando se tratar de poderes diferentes, em diferentes instituições, o Poder Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública devem considerar a implementação de um fluxo onde as requisições são encaminhadas à Secretaria de Assistência Social, que em âmbito municipal é a responsável pela gestão da Política de Assistência Social – e NÃO às unidades socioassistenciais ou às equipes profissionais.
A Secretaria definirá, de acordo com o conteúdo da solicitação, a/o profissional responsável pela solicitação, caso esta esteja entre a prerrogativas de ofertas do SUAS. De acordo com as Orientações Técnicas sobre o PAIF (2012, vol. 2, p. 50):
Além dos relatórios técnicos de rotina, a equipe de referência do CRAS pode emitir relatórios informativos e avaliativos sobre o acompanhamento de famílias e indivíduos usuários dos serviços socioassistenciais, mediante solicitação da Coordenação da Unidade, com o objetivo de subsidiar a elaboração de documentos solicitados por órgãos das demais políticas públicas e instituições que compõem o Sistema de Garantia de Direitos (SGD);
Deste modo, ao receber a solicitação da gestão, é importante verificar as informações sobre o usuário ou família, nos sistemas de informação disponíveis, identificando a condição deste/a no processo de atendimento/acompanhamento, inclusive em relação aos benefícios socioassistenciais recebidos.
Os relatórios a serem enviados ao Sistema de Justiça
O Art. 19 da Resolução, define que os relatórios informativos tenham por objetivo abordar as ações desenvolvidas no trabalho social com famílias e indivíduos, demonstrando que as famílias e indivíduos inseridos em serviços, programas e projetos estão em construção de seu desenvolvimento e empoderamento, que ocorre de forma processual e, por vezes, não linear. Estes relatórios deverão conter:
I – informações gerais sobre o contexto e a situação vivenciada pela família;
II – informação sobre o acompanhamento familiar;
III – quais serviços continuados o indivíduo e sua família estão inseridos, quais atendimentos individuais, familiares e em grupo foram realizados, quantas e quais orientações jurídico-sociais foram realizadas com vistas ao empoderamento, enfrentamento e construção de novas possibilidades de interação familiar e com o contexto social;
IV – elementos sobre o Plano de Acompanhamento Familiar e/ou Plano Individual de Atendimento construído em conjunto com a família/indivíduo, evidenciando com clareza as estratégias que estão sendo adotadas no decorrer do acompanhamento, bem como o compromisso de cada parte;
V – informações sobre a inclusão da família no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico) e outras ações de vigilância socioassistencial; e
VI – informações sobre se a família ou indivíduo recebe benefício socioassistencial ou transferência de renda.
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Considerações Finais
A aprovação da Resolução CNAS n° 119/2023 é fruto de inúmeras reivindicações dos/as trabalhadores/as do SUAS. Constitui-se como um avanço para o fortalecimento da rede de proteção social, proporcionando maior segurança jurídica as/aos trabalhadoras/es ao se posicionar contra as requisições indevidas do Poder Judiciário e de outras instâncias que via de regra, devem estabelecer fluxos e protocolos para o melhor atendimento à população.
A resolução também melhora a qualidade dos serviços ofertados aos usuários e famílias, à medida que as equipes de referência têm maior capacidade de realizar os serviços socioassistenciais, estabelecendo vínculos e garantindo de fato a proteção social.
No entanto, o investimento na Educação Permanente do SUAS constitui-se como uma necessidade contínua para o aprimoramento destas equipes. Assim como o investimento na Vigilância Socioassistencial que potencializa o alcance da proteção social, tornando-a mais assertiva ao reconhecimento no território daqueles que dela necessitam. Essa organização também evita ou diminui o processo de judicialização para o acesso dos serviços socioassistenciais.
É importante que todas as instâncias se reconheçam como uma grande rede, em que o fortalecimento do papel de cada um, resulta numa sociedade com maior capacidade do exercício da justiça social. Cabendo a nós da Assistência Social conhecer nosso papel e atribuições nessa rede. E informa-lo e reafirmá-lo constantemente aos demais
atores do Sistema de Justiça.
Referências Bibliográficas
BRASIL. Orientações Técnicas sobre o PAIF. Trabalho Social com Famílias do Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família – PAIF. Vol.1 Brasília, DF: MDS, Secretaria Nacional de Assistência Social, 1ª ed. 2012.
BRASIL. Orientações Técnicas sobre o PAIF. Trabalho Social com Famílias do Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família – PAIF. Vol.2 Brasília, DF: MDS, Secretaria Nacional de Assistência Social, 1ª ed. 2012.
SNAS.MDS. Nota técnica nº 02/2016. Disponível em: <http://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/Normativas/NotaTecnica_SUAS_Sistema%20de%20Justica_2016.pdf.
CNAS. Resolução nº 119, de 4 de agosto de 2023. Aprova os parâmetros para a atuação do Sistema Único da Assistência Social (SUAS) na relação interinstitucional da rede socioassistencial com o Sistema de Justiça e outros Órgãos de Defesa e Garantia de Direitos. Disponível em: <https://drive.google.com/file/d/1FRebW-vFd_HRqm3S4qmvBH3FNjdpjJjk/view>.