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Por Mônica Ogliari Pereira
A Política de Assistência Social estabelecida na Constituição Federal de 1988/CF e regulamentada pela Lei. n 8.742/1993 e Lei nº 12.435/2011, propõe os objetivos, princípios, diretrizes e as demais normativas que norteiam a execução da Política Nacional de Assistência Social, determinando a União, ao Estado, ao Distrito Federal e aos municípios atribuições e responsabilidades que devem ser cumpridas.
É notório que neste período, a Política de Assistência Social foi se aperfeiçoando e exigindo que os Estados, municípios e Distrito Federal acompanhem e a atualizem as suas legislações.
Este processo é contínuo e exige que o gestor esteja atendo e que acompanhe a evolução do SUAS e sua legislação. Como está a regulamentação do SUAS em seu ente federativo?
POR QUE LEGALIZAR A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL NO MUNICÍPIO?
A legislação vigente estabelece a obrigatoriedade dos Estados, municípios e Distrito Federal regulamentarem com legislações próprias do SUAS, a fim de serem contemplados com cofinanciamento federal na Política de Assistência Social.
São leis, decretos, medidas provisórias, portarias do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, portarias interministeriais e conjuntas, resoluções da CIT e CNAS, instruções normativas e operacionais, notas técnicas e outros atos que normatizam o SUAS.
Este processo contínuo de normatização do SUAS, exige dos Estados, municípios e Distrito Federal um constante acompanhamento das alterações da legislação, no intuito de regulamentar o SUAS adequadamente.
Diante da intenção de legalizar o SUAS, cabe ressaltar outros fatores a serem considerados pelo gestor, além da obrigatoriedade legal, como por exemplo:
– garantir o acesso e a ofertar um serviço de qualidade aos usuários;
– reconhecer a Assistência Social como política pública;
– ter orçamento próprio garantido nos Estados, municípios e Distrito Federal;
– possibilitar a fiscalização e acompanhamentos da sociedade civil;
– dar visibilidade as ações realizadas na assistência social pelos Estados, municípios e Distrito Federal.
Na continuidade será apresentado, a legislação vigente referente a regulamentação do SUAS.
QUAL A LEGISLAÇÃO PARA REGULAMENTAR O SUAS?
O Art. 194 da Constituição Federal (CF) de 1988, traz que a “seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social (BRASIL, 1988).
Assim, a Assistência Social tornou-se uma política pública de Seguridade Social não contributiva, regulamentada pela Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), Lei nº 8.742 de 1993, alterada pela Lei nº 12.435 de 2011, e é voltada ao atendimento a famílias e indivíduos em situação de vulnerabilidade social, de risco pessoal e social e de violação de direitos, por meio de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública estatal e não estatal.
A Lei nº 8.742 de 1993, no Art. 8, ressalta que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios devem observar os princípios e diretrizes, devendo fixar suas respectivas Políticas de Assistência Social
O Art. 11 prevê que as ações das três esferas de governo na área de assistência social devem realizar-se de forma articulada, sendo que a coordenação e as normas gerais são atribuições da esfera federal e a coordenação e execução dos programas, em suas respectivas esferas, cabem aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios.
Já o Art.30, estabelece como condição de repasse aos municípios, aos Estado e ao Distrito Industrial, ter efetiva instituição e funcionamento do Conselho de Assistência Social, com composição paritária entre governo e sociedade civil; do Fundo de Assistência Social, com orientação e controle dos respectivos Conselhos de Assistência Social e a comprovação orçamentária de recursos próprios alocados no Fundo de Assistência Social e o Plano de Assistência Social.
Assim, a partir de 1993, os Estados, municípios e o Distrito Federal passaram a organizar a política de Assistência Social, num processo contínuo e exigindo destes, apropriar-se do passo a passo na regulamentação do SUAS.
No decorrer deste processo, pode-se destacar a aprovação da Política Nacional de Assistência Social/PNAS em 2004, que instituiu o SUAS como um sistema público não contributivo, descentralizado e participativo e a Norma Operacional Básica/NOB de 2005, que regulamentou e organizou os serviços, programas, projetos e benefícios, benefícios, garantindo a proteção social.
Destaca-se também a aprovação da Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais, pela Resolução CNAS nº 109/2009, que regulamentou os serviços a serem ofertados pela Política de Assistência Social na rede socioassistencial pública e privada.
Dentro das conquistas da Política de Assistência Social, evidencia-se a aprovação da Resolução CNAS nº 269/2004 referente a NOB-RH/SUAS, que estabeleceu as regras que qualificaram a gestão e os serviços, definindo as diretrizes e os parâmetros gerais para a organização e gestão do trabalho profissional.
O SUAS também prevê os benefícios de forma eventual, no Art. 22 da Lei nº 8.742/1993, que foi regulamentado pelo Decreto nº 6.307/2007, estabelecendo como atribuição dos municípios, Distrito Federal e Estados, financiar e regulamentar os benefícios eventuais mediante critérios e prazos definidos pelos Conselhos Municipais.
Com a Lei nº 12.435/2011 e com a aprovação da NOB/SUAS em 2012, tornou-se necessário novas adequações nas leis municipais, a fim de acompanhar o processo que visava qualificar a estruturação do SUAS e garantir a presença do SUAS em todos os municípios brasileiros e Distrito Federal.
A Resolução CNAS Nº 18/2013, estabeleceu como uma das prioridades e metas específicas para a gestão municipal do SUAS no quadriênio 2014-2017, adequar a legislação municipal às normativas do SUAS, com a atualização das leis municipais. Destaca-se que o Pacto de Aprimoramento do SUAS possui amparo legal no Inciso II do Art. 18 da LOAS, portanto deve ser de observância obrigatória pelos entes federados.
Não se questiona a autonomia dos Estados, municípios e Distrito Federal em organizar a política de assistência social, por ser um sistema descentralizado e participativo sendo que cada ente possui suas competências constitucionais. No entanto, diante das legislações apresentadas, reforça-se as prerrogativas para que os Estados, municípios e Distrito Federal regulamentem o SUAS. com o intuito de ofertar adequadamente serviços, projetos, programas e benefícios aos usuários de qualidade.
Desta forma os municípios estarão garantindo proteção social a população em vulnerabilidade social, garantia estabelecida pela Constituição Federal e que deve ser regulamentada adequadamente.
Leia também: A Lei do Suas como materialização dos marcos normativos da política de assistência social
O RETRATO DOS MUNICÍPIOS BRASILEIROS QUANTO AO CUMPRINDO DO ART 30 DA LOAS E DO PACTO DE APRIMORAMENTO 2014/2017
O Art. 30 da LOAS prevê que o município tenha regularizado seu CPF, ou seja, o Conselho Municipal de Assistência Social, Plano Municipal de Assistência Social e o Fundo Municipal de Assistência Social, como condição de repasse.
Mas qual é a realidade dos 5.568 municípios existentes no país, mais Distrito Federal e Fernando de Noronha? São 5.570 municípios brasileiros e de acordo com a Secretaria de Avaliação, Gestão da Informação e Cadastro Único/SAGICAD (Ministério da Cidadania/2022), a situação da regulamentação do CPF do SUAS apresenta-se da seguinte forma:
Situação dos municípios segundo regularidade do CPF
Plano | Conselho | Fundo | ||||
Regular | pendentes | Paritário | Não paritário | Regular | pendentes | |
Número de municípios em outubro/2022 | 5.564 | 1
(dez/2021) |
5.544 | 20 | 5.531 | 33 |
Fonte: a autora com dados https://aplicacoes.cidadania.gov.br/vis/data3/data-explorer.php
Já o Pacto de Aprimoramento 2014/2017, constatou no relatório atualizado em 5/10/2018, que dos 5.570 municípios brasileiros, 2.417 municípios possuíam lei do SUAS atualizada e 3.153 municípios não possuem lei atualizada.
Diante dos números apresentados, pode-se afirmar ser premente dialogar sobre a regulamentação do SUAS junto aos municípios brasileiros. A vulnerabilidade social e a desigualdade social estão presentes em todo o território e o município e Distrito Federal devem cumprir com suas atribuições, apresentando respostas adequadas e eficazes de combate a fome e a desproteção social.
Leia também: Marcos normativos do Sistema Único de Assistência Social
PASSOS PARA REGULAMENTAR O SUAS NOS MUNICÍPIOS
Diante da inevitabilidade de que os Estados, municípios e Distrito Federal regulamente o SUAS, sugere-se que seja realizado primeiramente um levantamento das leis existentes no município, comparando a sua adequação com a legislação atual.
A partir deste estudo inicial, deve-se partir para a elaboração da Minuta de Lei de regulamentação do SUAS, com uma ampla discussão com os trabalhadores do SUAS, com o Conselho Estadual/ Municipal de Assistência Social e a sociedade civil, dando visibilidade para a Política de Assistência Social.
É importante destacar, que a justificativa que acompanha o Projeto de Lei, deve apresentar argumentos que demonstrem a necessidade e importância da proposta, com o devido respaldo legal.
Em 2015, o então Ministério de Desenvolvimento Social e Combate a Fome/MDS, com o intuito de atender recomendação da CIT, publica a cartilha Orientação aos Municípios sobre a regulamentação da Política Municipal de Assistência Social, a fim de orientar os Estados, municípios e Distrito Fundamental na regulamentação do SUAS, com uma sugestão de Minuta de Projeto de Lei, que deve ser adequada com a realidade de cada ente federativo.
A Cartilha orienta que para elaborar a Lei do SUAS, é essencial conhecer um processo legislativo, que se trata de um “conjunto de atos realizados pela Assembleia Legislativa ou Câmara Municipal, visando a elaboração das leis de forma democrática, ordenados do conforme as regras definidas na Constituição Estadual ou Lei Orgânica Municipal e no Regimento Interno da Casa” (BRASIL, 2015, pg.13).
O processo legislativo ocorre com a apresentação do Projeto de lei, a tramitação, a sanção e o veto junto a Assembleia Legislativa ou a Câmara de Vereadores. O Projeto de Lei deve ser escrito com forma de Projeto de Lei Ordinária, com uma lei específica para a temática de Assistência Social e que seja discutido anteriormente e elaborado juntamente com os Conselhos de Assistência Social.
Após a apresentação do Projeto de Lei à Assembleia Legislativa/Câmara Municipal, na tramitação, este irá transitar junto as Comissões legislativas e sugere-se que o Gestor e os Conselhos de Assistência Social acompanhem este tramite. O Legislativo pode realizar audiências públicas com os “cidadãos e atores das políticas públicas interessadas” (BRASIL, 2015, p. 14).
Após aprovação, cabe ao chefe do poder executivo sancionar o Projeto de Lei aprovado pelo Poder Legislativo, tornando-a finalmente lei estadual/municipal e regulamentando o SUAS no Estado/município.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O SUAS possui uma legislação conceituada e detalhada, que está em constante processo de construção, devendo ser acompanhada pelos Estados, municípios e Distrito Federal.
Diante das legislações apresentadas, fica reforçado as atribuições que devem ser cumpridas pelos Estados, municípios e Distrito Federal a fim de regulamentar o SUAS, destacando a importância de discutir junto aos Conselhos de Assistência Social e a sociedade civil a elaboração desta regulamentação.