A Reconstrução do SUAS e a primeria infância: Reordenamento do Programa Criança Feliz

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Por Mônica Ogliari Pereira

No decorrer do ano de 2023, os Municípios e Estados brasileiros estão realizando as suas Conferências Municipais e Estaduais de Assistência Social, com o intuito de encaminhar deliberações para a Conferência Nacional. A Conferência tem como tema Central “A reconstrução do SUAS: o SUAS que temos e o SUAS que queremos”.

Tal reconstrução tem sido evidenciada nas atuais relações do Executivo, junto aos órgãos de controle social e de Instância de negociação e de pactuação do Sistema Único de Assistência Social/SUAS. Vamos ver especificamente essa atuação junto ao Programa Primeira Infância.

Por meio da Resolução da Comissão Inter gestores Tripartite/CIT nº 2 de 24 de março de 2023 no Art. 3º foi instituído a Câmara Técnica da Primeira Infância no Sistema Único de Assistência Social (SUAS) no âmbito da Comissão Inter gestores Tripartite (CIT) do SUAS, para discutir sobre a temática e apresentar relatório final em reunião ordinária na CIT do SUAS, com propostas de reordenamento do Programa Criança Feliz no Sistema Único de Assistência Social.

O Programa Primeira Infância, desde sua criação foi questionado e discutido quanto a sua formatação e inserção na Política de Assistência Social/SUAS, por envolver ações de outras políticas sociais, como educação, saúde, lazer e outras.

Tanto que, em 2021, o Conselho Nacional de Assistência Social/CNAS diante dos resultados apresentados pelos Grupos de Trabalho de estudo do tema, aprova por meio da Resolução CNAS nº 29/2021, diversas recomendações de aprimoramento ao Programa Primeira Infância no Sistema Único de Assistência Social/SUAS junto à Secretaria Nacional de Assistência Social/SNAS e à Secretaria Nacional de Atenção à Primeira Infância/SNAPI, do então Ministério da Cidadania.

Mas o que diz a Lei Orgânica da Assistência Social sobre o Programa? Qual as atribuições da CIT e do CNAS neste contexto?

As atribuições das Comissões de Instância de Negociação e Pactuação do SUAS e dos Conselhos

Está previsto no Art. 24 da Lei n 8.742/1993 que os “programas de assistência social compreendem ações integradas e complementares com objetivos, tempo e área de abrangência definidos para qualificar, incentivar e melhorar os benefícios e os serviços assistenciais” (BRASIL,1993), devendo ser definidos pelos respectivos Conselhos de Assistência Social, cujo artigo tem dado respaldo ao Programa Primeira Infância/Criança Feliz no SUAS.

A NOB SUAS 2012, define no Art. 128 que as instâncias de negociação e pactuação entre gestores, quanto aos aspectos operacionais do SUAS, são a Comissão Intergestores Tripartite – CIT, no âmbito nacional e a Comissão Intergestores Bipartite – CIB, no âmbito estadual.

O Art. 13 traz que a CIT é um espaço de articulação e interlocução entre os gestores federal, estaduais, do Distrito Federal e municipais, para viabilizar a política de assistência social, caracterizando-se como instância de negociação e pactuação quanto aos aspectos operacionais da gestão do SUAS. Entende-se como pactuação as negociações e acordos estabelecidos entre os entes federativos envolvidos para operacionalização e aprimoramento do SUAS e devem ser formalizadas por meio de publicação por ato administrativo.

Já o Conselho Nacional de Assistência Social é uma instância deliberativa, tem a competência de acompanhar a execução da política de assistência social, apreciar e aprovar a proposta orçamentária.

As instâncias de controle social e de pactuação e negociação do SUAS, tem um papel primordial na construção contínua da Política de Assistência Social, sendo que os Gestores Municipais, Estaduais e Federal devem propor e definir suas ações junto com estes órgãos.

O Programa Criança Feliz foi criado pelo Decreto nº 8.869 de 5 de outubro de 2016 como um programa de governo de um determinado período. Tal Programa foi analisado e pactuado pela Resolução CIT nº 4 de 21 de outubro de 2016 e o CNAS aprovou o Programa em novembro de 2016, por meio da Resolução CNAS nº 19/2016, num movimento não condicente com o que determinam as legislações do SUAS de pactuação e negociação.

Na atualidade, a CIT discute o reordenamento do Programa Infância Melhor, que também é pauta no CNAS, mas que programa é este? Como funciona?

 

O Programa Criança Feliz/ Primeira Infância no SUAS

O Programa Criança Feliz/ PRIMEIRA INFÂNCIA NO SUAS tem como objetivo promover o desenvolvimento integral das crianças na primeira infância, considerando sua família e contexto. Foi instituído pelo Decreto nº 8.869 de 5 de outubro de 2016, coordenado pelo então Ministério de Desenvolvimento Social e Agrário, que visava articular ações das políticas de assistência social, saúde, educação, cultura e direitos humanos.

Tem como fundamento a Lei nº 13.257/2016, conhecida como Marco Legal da Primeira Infância, que considera a primeira infância o período que abrange os seis primeiros anos completos, ou seja, 72 meses de vida da criança. Traz que em tal período é a família a principal mediadora e facilitadora do seu desenvolvimento. Estabelece que o Estado brasileiro deve promover este desenvolvimento na primeira infância numa perspectiva integral, mas considerando as especificidades envolvidas nesse estágio de desenvolvimento do indivíduo.

Tem como público famílias com gestantes e crianças na primeira infância, em situação de vulnerabilidade e risco pessoal e social, inseridos no CadÚnico ou no BPC e envolve competências e atribuições a nível federal, estadual e municipal. Tem  como um de seus princípios a atenção à criança na primeira infância, considerando, necessariamente, sua família, o território e seu contexto de vida.

As ações do Programa se efetivam através de visitas domiciliares realizada por visitadores, que atuam na identificação das necessidades e potencialidades das famílias e possibilitam suportes e acessos para fortalecer a sua função protetiva e o enfrentamento de vulnerabilidades. As equipes de visitadores são capacitadas e orientadas por um técnico de nível superior, seguindo as orientações técnicas e metodológicas da gestão, implementação, do desenvolvimento de ações e de monitoramento do Programa Criança Feliz no SUAS e são organizadas de acordo com o número de gestantes e de crianças até 6 anos existentes nos territórios.

O Ministério do Desenvolvimento Social define as metas para os municípios, que podem aderir ou não ao Programa. Ao assinar o Termo de Adesão, o município deve articular ações intersetoriais com as demais políticas sociais, como educação, saúde, direitos humanos, cultura e outras, com o Sistema de Justiça e de Garantia de Direitos e possuir o Comitê Gestor do Programa Bolsa Família.

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O Programa Criança Feliz foi muito questionado nos Conselhos de Controle Social e nas Instâncias de Pactuação e Negociação, por ser considerado uma sobreposição de proposta de atuação junto a infância e que não estava definido na Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais. É questionado também o fato, de prever algumas ações, que poderiam ser consideradas ser responsabilidade da política da saúde e da educação.

Conforme nota da Frente de Defesa do SUAS e da Seguridade Social (FRENTE MINEIRA DE DEFESA DO SUAS E DA SEGURIDADE SOCIAL, 2016), o Programa Criança Feliz tem sua gênese no policiamento das famílias pobres e parte do princípio de que elas não sabem cuidar de seus filhos.

O Programa Criança Feliz, era considerado pelo Governo Federal de períodos anteriores (2016 a 2022) um grande programa intersetorial, contudo, como afirma Campos (2020) “… é um revisitar de programas do início do século XX, e que acabam culpabilizando as famílias pelo baixo desenvolvimento, ou desenvolvimento inadequado de suas crianças” (CAMPOS, 2020, p. 2).

É importante ressaltar, que nunca foi questionado a relevância de prever ações voltadas para a Primeira Infância, mas sim, a maneira em que foi construído o Programa Primeira Infância pela Gestão Federal e de como o SUAS poderia contribuir diante desta questão.

Frente a tais questionamentos que acompanham este Programa, a CIT em março de 2023 instituiu Câmara Técnica para discutir sobre a temática e apresentar relatório final com propostas, fato que ocorreu na reunião da CIT em 2 de agosto, sendo apresentado o relatório final e a Minuta de Reordenamento.

Tal pauta, também foi discutida na 320 ª Reunião Ordinária do CNAS realizada no dia 11 de agosto, aprovando a Resolução do reordenamento das ações de Assistência Social do Programa Criança Feliz, em consonância com o Programa Primeira Infância no SUAS, cuja publicação será em breve.

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Quais os pontos principais da proposta de reordenamento do Programa Criança Feliz?

 O Art. 1º da minuta da Resolução da CIT pactua o reordenamento das ações de Assistência Social do Programa Criança Feliz, em consonância com o Programa Primeira Infância no SUAS, de que trata a Resolução CNAS nº 19, de 2016, e nº 29, de 2021, conforme proposto pela Câmara Técnica da Primeira Infância no Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e define em Parágrafo Único que para fins de reordenamento, considera-se a nomenclatura “Programa Primeira Infância no SUAS/Criança Feliz.”

O Art. 2º estabelece o reordenamento deve seguir as diretrizes estabelecidas no Marco Legal da Primeira Infância – Lei nº 13.257, de 8 de março de 2016, para formulação e implementação das políticas públicas e estabelece os princípios a serem observados.

Já no Art. 3º fica estabelecidos os objetivos do reordenamento do Programa Primeira Infância no SUAS/Criança Feliz quanto às visitas domiciliares, tendo como destaque a integração das visitas domiciliares e da sua supervisão ao Serviço de Proteção Social Básica no Domicílio como modalidade específica para criança de 0 a 6 anos e gestantes.

O Art. 4º traz os objetivos do reordenamento do Programa Primeira Infância no SUAS/Criança Feliz em relação às ações intersetoriais e de integralidade da proteção e atenção à primeira Infância.

No Art. 5º estabelece o público alvo das visitas domiciliares a serem priorizadas, sendo as gestantes e as crianças de 0 a 72 meses e suas famílias. Em especial as crianças de 0 a 36 meses inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico); as crianças de 0 a 72 meses beneficiárias do Benefício de Prestação Continuada (BPC); as famílias beneficiárias do Benefício Primeira Infância do Programa Bolsa família; as que perderam ao menos um de seus responsáveis familiares decorrente da COVID 19 ou por feminicídio; de povos e comunidades tradicionais;  em situação de rua; os migrantes e refugiadas;  em medidas de proteção; gestantes e nutrizes inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico) e as gestantes que recebam o benefício variável familiar do Programa Bolsa Família.

Já o Art. 6º estabelece que cabe à Secretaria Nacional de Assistência Social (SNAS) elaborar as normativas e as orientações técnicas do Programa Primeira Infância no SUAS/Criança Feliz, com destaque ao Inciso I que propõe a atualização da Tipificação Nacional dos Serviços Sociassistenciais para o Serviço de Proteção Básica e Cuidado no Domicílio às crianças, gestantes, pessoas com deficiência e idosas, que acarretará futuras alterações.

O Art. 7º estabelece que o reordenamento do Programa Primeira Infância no SUAS/Criança Feliz será gradativo, devendo ser garantido orçamento específico aos estados e municípios para a manutenção do atendimento às crianças e gestantes.

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Considerações Finais

A Lei nº 13.257/2016 estabeleceu os princípios e diretrizes para a formulação e a implementação de políticas públicas para a primeira infância em atenção à especificidade e à relevância dos primeiros anos de vida no desenvolvimento infantil e no desenvolvimento do ser humano, garantindo a prioridade absoluta de assegurar os direitos da criança, do adolescentes e do jovem, que implica o dever do Estado de estabelecer políticas, planos, programas e serviços para a primeira infância que atendam às especificidades da primeira infância, com vistas ao seu desenvolvimento integral.

O SUAS tem como um dos seus objetivos a proteção social visando à garantia da vida, à redução de danos e à prevenção da incidência de riscos, a proteção social, que visa à garantia da vida, à redução de danos e à prevenção da incidência de riscos, em destaque a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice e o amparo às crianças e aos adolescentes carentes.

Espera-se que com as definições realizadas pela CIT e CNAS, fique no passado o período de questionamento sobre o Programa Criança Feliz e o SUAS e que se desenhe um novo tempo na oferta da proteção social junto a Primeira Infância no SUAS, por meio de ações continuados do novo serviço tipificado

Que a RECONSTRUÇÃO DO SUAS aconteça e que o Serviço de Proteção Básica e Cuidado no Domicílio às crianças, gestantes, pessoas com deficiência e idosas, garanta a proteção social devida a Primeira Infância no SUAS.

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Referências:

BRASIL. Lei nº 13.257/2016. Marco Infância. Brasília/DF: 2016

BRASIL. Lei nº 8.746/1993. Lei Orgânica de Assistência Social. Brasília/DF:1993

BRASIL. Resolução da Comissão Inter gestores Tripartite/CIT nº 2 de 24 de março de 2023. Brasília/DF.2023

BRASIL. Resolução CNAS nº 29/2021. Brasília/DF. 2021

BRASIL. Decreto nº 8.869 de 5 de outubro de 2016. Brasília/DF. 2016

BRASIL. Resolução CIT nº 4 de 21 de outubro de 2016. Brasília/DF. 2016

BRASIL. Resolução CNAS nº 19/2016. Brasília/DF. 2016

BRASIL. Norma Operacional Básica do Suas (NOB/SUAS) – Construindo as bases para a implementação do Sistema Único de Assistência Social. Brasília/DF: 2005

FRENTE MINEIRA DE DEFESA DO SUAS E DA SEGURIDADE SOCIAL. Diga não ao Programa Criança Feliz. Belo Horizonte, 2016. Disponível em: http://cogemasmg.org.br/images/stories/documentos/carta_nao_programa_crianca_feliz.pdf acesso em: 11 de agosto de 2023

CAMPOS, Rosânia. Programa Criança Feliz: um salto histórico para o passado. Práxis Educativa, Ponta Grossa, v. 15, e2015445, p. 1-22, 2020 Disponível em: http://educa.fcc.org.br/pdf/praxeduc/v15/1809-4309-praxeduc-15-e2015445.pdf acesso em 11 de agosto de 2023

CONGEMAS. MINUTA RESOLUÇÃO MDS/CIT. Disponível em  https://drive.google.com/file/d/1p0WVPXnYJUkPAp_jP6l-Xv-PU2zP7LPV/view acesso em 10 de agosto de 2023

 

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