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Por: Ariane de Lima Macedo
Uma das principais atividades cotidianas do psicólogo do PAEFI, assim como dos demais profissionais de ensino superior das equipes de referência do SUAS, é o registro de dados no prontuário social. Tarefa simples, certo? Bem, depende… Convido você a me acompanhar em algumas reflexões a este respeito.
Algumas características da escrita podem culminar em produção inadequada de registro no prontuário social. Seja pela forma ou pelo conteúdo, fragilidades no registro de dados podem prejudicar a construção do caso e até a eficácia do acompanhamento oferecido ao indivíduo ou à família.
Além disso, quando se trata do psicólogo que compõe a equipe de referência, o fator confidencialidade pode gerar polêmica na hora de registrar dados no prontuário social. Isto porque as informações compartilhadas em prontuário multiprofissional podem – equivocadamente – ser julgadas por alguns colegas psicólogos, especialmente os recém-formados, como falta ética por quebra de sigilo profissional.
Vale destacar que o registro de dados em prontuário é direito do usuário. Ele é parte integrante do trabalho social com famílias e uma das principais responsabilidades do profissional de ensino superior da equipe de referência do SUAS. Por isso, sua execução merece um olhar atento.
O registro de dados em prontuário social
Ao registrar dados no prontuário social, o profissional tem o papel de organizar e qualificar as informações extraídas de determinada ação. Para isso, o psicólogo do PAEFI deve estar alicerçado em seu lugar enquanto executor da política de Assistência Social.
Posso parecer óbvia, mas se considerarmos a subjetividade do trabalho socioassistencial, associado por exemplo ao mergulho na dor do outro após um atendimento inicial de PAEFI de intensa carga emocional, pode ser muito fácil desviar-nos do propósito enquanto serviço, sob o risco de produzir registro inadequado no prontuário.
Por isso, é necessário sempre praticar o exercício de manter o foco no alvo. Me refiro a lembrar-se de onde o olhar do profissional deve estar: na capacidade protetiva da família, em suas potencialidades e vulnerabilidades, nos riscos sociais identificados, nas violações de direitos sociais, na leitura do território, para citar os principais elementos.
Ao tomarmos o cuidado de preservar esta qualificação e organização, o registro no prontuário, por conseguinte, irá refletir em maior eficácia em outros momentos de troca de informações, tanto para o profissional que escreveu quanto para os demais que o lerem. Por exemplo, no estudo de caso com a equipe de referência, em uma reunião de rede ou em um relatório informativo.
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O que cabe ao psicólogo do PAEFI escrever no prontuário social?
É importante frisar que o registro de dados em prontuário social é realizado não só pelo psicólogo do PAEFI ou PAIF, mas por todo profissional de ensino superior que compõe a equipe de referência dos serviços do SUAS. Apesar de este artigo tratar de alguns apontamentos que falam diretamente com o psicólogo, eles cabem perfeitamente aos demais profissionais que integram a equipe técnica.
Sobre os registros documentais em prontuários, o Conselho Federal de Psicologia esclarece na Resolução nº 1/2009, que o profissional psicólogo deve ser sucinto, claro e objetivo em seus registros. Além disso, conforme preconiza o Código de Ética Profissional (Resolução CFP n° 10/2005), todo e qualquer registro de documento deve contemplar um posicionamento técnico, ético e científico. Os dados registrados são armazenados em prontuário único quando se trata de trabalho em equipe multiprofissional (Art. 6º).
Como fica o sigilo do psicólogo do PAEFI no registro do prontuário social?
Como falamos no início, a confidencialidade é um dos primeiros princípios ensinados ao estudante de psicologia. Por uma compreensão distorcida ou limitada, o registro adequado de dados em prontuário social pode ser um obstáculo para alguns psicólogos, especialmente aos recém-formados ou ainda inexperientes no trabalho em equipe interdisciplinar.
Ocorre que o sigilo se estende e é compartilhado pela equipe de referência do serviço. O indivíduo não é acompanhado pelo psicólogo unicamente, e sim pelo Serviço PAEFI. O mesmo ocorre quando compartilhamos informações em um relatório. É interessante compartilhar com o indivíduo, sempre que isso for possível, que determinadas informações ficarão registradas em prontuário social compartilhado pelos serviços do SUAS. É possível também informar o indivíduo quando algumas informações precisarem ser reportadas a determinado órgão – ao Ministério Público, por exemplo.
Ainda sobre este assunto, o CFP emitiu um documento posicionando-se quanto ao uso do Prontuário SUAS pelos psicólogos das equipes de CRAS e CREAS, e seu conteúdo vem ao encontro do teor debatido neste artigo.
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Conteúdo: atenção para não pecar pelo excesso nem pela falta
Falamos até então sobre a importância do psicólogo não restringir informações relevantes ao acompanhamento social. Naturalmente, devemos ser igualmente cuidadosos para não deixarmos de fazer registros por falta de tempo ou esquecimento.
O outro extremo à pouca informação também é fator negativo. Informações em excesso ou irrelevantes podem ser um desserviço tanto para quem o redige quanto para quem o lê.
É muito importante também buscar desprender-se do juízo de valor ao fazer seus registros em prontuário social. Por via das dúvidas, ancore-se na ética profissional e avalie se sua interpretação condiz com o que preconiza a legislação pertinente.
Para não ser excessivo e poder filtrar o conteúdo (em qualidade e quantidade), pense: para quem escrevo? Ter em mente quem é o interlocutor é elemento fundamental da escrita de modo geral.
Vale lembrar que as informações são compartilhadas para o uso compartilhado dos serviços socioassistenciais. Além disso, o profissional que detém as informações da família pode não estar mais naquela equipe de referência no futuro.
O ensejo do registro em prontuário pode ser até uma nova chance de pensar sobre aquilo que ocorreu ao longo do atendimento, rendendo por vezes até “insights” na construção do caso. Escolher o momento mais adequado em sua agenda para realizar os registros pode também culminar em uma escrita mais leve e limpa.
Forma
Por último, mas não menos importante, insta atentar-se à forma de seu registro escrito. Se você já conhece minimamente o mundo do SUAS, já deve ter notado a grande quantidade de siglas que são utilizadas. Lembre-se do que mencionei anteriormente sobre considerar seu interlocutor ao realizar seu registro. Considere se o profissional que ler seu relato entenderá do que se trata.
Em alguns casos, as siglas se referem a locais e serviços específicos de um território. Pense que você, profissional, pode não estar mais neste serviço no futuro. Porém, o registro do indivíduo é perene.
Ainda sobre a forma do registro escrito: cuidado, colega psicólogo, com o psicologuês. Nossa linguagem deve ser acessível a todos, e o conteúdo produzido é relevante aos demais profissionais da equipe de referência. Não limite a escrita a vocabulário específico do saber psicológico.
E, claro, é importante manter uma escrita adequada, respeitando as normas da língua portuguesa. Por mais tentador que pareça, evite abreviações – tão comuns hoje em dia nas ferramentas de comunicação como Whatsapp como estratégia de facilitação da escrita.
Escreve com qualidade quem lê. Por isso, pratique o hábito da leitura, mantenha a “máquina” funcionando e, como consequência, tenha registros escritos com cada vez mais qualidade.
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Conclusão
Ao desenvolver a prática de registrar os dados em prontuário social se atentando ao que nos compete enquanto psicólogos e demais profissionais do SUAS, também estamos viabilizando outras práticas do nosso cotidiano, sejam elas escritas – como a elaboração de relatório informativo – ou até para o relato oral (exemplo: em um estudo de caso em equipe de referência ou reunião de rede intersetorial).
Além disso, atentar-se aos pontos apresentados aqui é respeitar o direito do indivíduo atendido e executar política social de forma satisfatória.