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Por Eugene Francklin
A assistência social tem como fundamento o direito à proteção social para todos, mas, na prática, ainda existem grupos que permanecem invisibilizados seja pela ausência de dados, pela falta de reconhecimento institucional ou por barreiras históricas e sociais que os afastam das políticas públicas. Diversidade sexual e de gênero, raça e etnia, povos tradicionais e pessoas com deficiência são exemplos de segmentos que vivenciam vulnerabilidades específicas e, muitas vezes, não conseguem acessar plenamente os serviços e benefícios do SUAS.
Nos últimos anos, o debate sobre inclusão, equidade e visibilidade ganhou força. A modernização dos sistemas de dados sociais, o fortalecimento do controle social e a ampliação do diálogo com movimentos sociais colocam o tema no centro das discussões sobre o futuro do SUAS. Mas, afinal: como transformar reivindicações importantes em práticas efetivas no cotidiano da gestão e dos serviços?
Por que ainda existem populações invisibilizadas no SUAS?
A invisibilidade não significa ausência de pessoas, significa ausência de reconhecimento e de informação. Quando populações inteiras não aparecem nos dados, nos planos municipais ou nas ações do território, a política pública tende a não enxergá-las.
Entre os fatores que produzem invisibilidade, destacam-se:
- Dados insuficientes ou não qualificados
Alguns segmentos não aparecem de forma adequada nas bases de dados, dificultando análises sobre vulnerabilidade. Falta de campos específicos, subnotificação e medo de exposição agravam esse cenário.
- Barreiras culturais e institucionais
O preconceito e a discriminação, explícitos ou sutis, ainda são realidade. Sem preparo técnico para acolher as diferenças nos serviços, muitos usuários deixam de busca-los.
- Serviços padronizados que não consideram especificidades
Uma população quilombola, uma pessoa indígena, uma pessoa LGBTQIA+ expulsa de casa ou uma pessoa transexual vítima de violência têm vulnerabilidades distintas que não cabem em um padrão único de atendimento.
- Falta de articulação com outras políticas e com movimentos sociais
Sem diálogo com saúde, educação, direitos humanos e organizações da sociedade civil, a rede de proteção se fragmenta.
Leia também: Acolhida no CRAS: boas práticas para um atendimento humanizado!
Como incluir diversidade nas políticas e práticas do SUAS?
A inclusão não é um ato isolado, ela é um conjunto de escolhas cotidianas de gestão, organização de serviços, formação de equipes e produção de dados. Aqui estão alguns caminhos para municípios que querem avançar e abraçar as diversidades em seu território:
- Qualificar o diagnóstico socioterritorial com foco em diversidade
Um diagnóstico atualizado e realista deve responder perguntas essenciais:
- Quem são as populações historicamente invisibilizadas no município?
- Onde estão?
- Quais vulnerabilidades específicas enfrentam?
- Há barreiras de acesso aos serviços do SUAS?
Ferramentas como vigilância socioassistencial, mapeamento participativo, busca ativa qualificada e articulação com lideranças comunitárias quilombolas, indígenas, coletivos LGBTQIA+, coletivos de pessoas portadoras de deficiência e movimentos negros ajudam a trazer luz a esses grupos.
- Reforçar a coleta e qualificação de dados
A gestão pode:
- Incentivar o registro adequado no Cadastro Único e nos sistemas do SUAS.
- Dialogar com a área responsável pelo CadÚnico para apoiar campos de diversidade como identidade de gênero e orientação sexual.
- Realizar capacitações para evitar subnotificação.
- Integrar dados da saúde, educação e direitos humanos.
Quanto mais dados qualificados, melhor o planejamento e realização de ações socioassistenciais para atender esse público.
- Fortalecer a formação das equipes para o acolhimento sem discriminação
Capacitações regulares são fundamentais. Temas como:
- atendimento humanizado a pessoas LGBTQIA+;
- racismo institucional e suas implicações;
- protocolos de acolhimento a mulheres em situação de violência;
- práticas seguras de atendimento a povos e comunidades tradicionais;
- abordagem interseccional.
O SUAS só garante direitos quando as equipes se sentem preparadas e seguras para acolher a diversidade.
- Adaptar serviços, fluxos e protocolos às necessidades reais do território
Alguns exemplos:
- CRAS ou CREAS com rotinas específicas para acolher expulsão familiar de jovens LGBTQIA+.
- Articulação com a saúde no atendimento a mulheres negras que sofrem violência obstétrica.
- Ações de proteção em territórios quilombolas e indígenas com equipe volante.
- Flexibilização de horários para mulheres cuidadoras sobrecarregadas.
- Atendimento prioritário para pessoas com deficiência sem barreiras estruturais.
A inclusão se materializa no cotidiano da unidade.
- Fortalecer o controle social e a participação das populações diversas
Os Conselhos têm um papel importante para o fortalecimento do SUAS e isso inclui olhar para populações invisibilizadas. Algumas boas práticas:
- Incentivar a participação de representantes de grupos diversos nos conselhos;
- Promover audiências e consultas públicas;
- Coletar percepções da comunidade sobre barreiras nos serviços;
- Produzir relatórios temáticos para subsidiar decisões.
O controle social é chave para iluminar realidades que a gestão, sozinha, nem sempre enxerga.
- Ampliar articulação intersetorial e comunitária
Ninguém garante proteção social sozinho. Parcerias com:
- saúde;
- educação;
- direitos humanos;
- promoção da igualdade racial;
- organizações comunitárias e coletivos de diversidade;
- universidades;
contribuem para uma rede mais forte e coerente com a realidade dos territórios.
O caminho para um SUAS mais inclusivo: ver, ouvir, reconhecer
Incluir diversidade não é apenas criar ações pontuais. É reconhecer que desigualdades estruturais como racismo, LGBTfobia, machismo, capacitismo e etnocentrismo impactam diretamente as vulnerabilidades atendidas pelo SUAS.
Um SUAS que enxerga, escuta e respeita essas populações invisibilizadas fortalece a proteção social, amplia o acesso a direitos e se aproxima do que a política pública se propõe a ser: um sistema universal, democrático e comprometido com a dignidade de todas as pessoas.
Referências:
Caderno “O Dia 17 de maio e o papel do suas no combate à lgbtfOBIA NO BRASIL”, Secretaria Nacional de Assistência Social (SNAS), 2020. Disponível em: https://aliancalgbti.org.br/wp-content/uploads/2020/08/22.-O-Papel-do-SUAS-no-combate-a-LGBTFOBIA.pdf
Guia ANS de Diversidade e Inclusão. Agência Nacional de Saúde Suplementar, 2023. Disponível em: https://www.gov.br/ans/pt-br/arquivos/acesso-a-informacao/transparencia-institucional/planos-de-gestao-de-logistica-sustentavel/copy_of_GuiaANSdediversidadeeincluso.pdf
RESOLUÇÃO CONJUNTA Nº 1, DE 21 DE SETEMBRO DE 2018, Ministério do Desenvolvimento Social (MDS). Disponível em: https://aplicacoes.mds.gov.br/snas/regulacao/visualizar.php?codigo=5254
