Assistência Social e Populações Invisibilizadas: como incluir as diversidades nas políticas do SUAS

Tempo de leitura: 6 minutos

Por Eugene Francklin

A assistência social tem como fundamento o direito à proteção social para todos, mas, na prática, ainda existem grupos que permanecem invisibilizados seja pela ausência de dados, pela falta de reconhecimento institucional ou por barreiras históricas e sociais que os afastam das políticas públicas. Diversidade sexual e de gênero, raça e etnia, povos tradicionais e pessoas com deficiência são exemplos de segmentos que vivenciam vulnerabilidades específicas e, muitas vezes, não conseguem acessar plenamente os serviços e benefícios do SUAS.

Nos últimos anos, o debate sobre inclusão, equidade e visibilidade ganhou força. A modernização dos sistemas de dados sociais, o fortalecimento do controle social e a ampliação do diálogo com movimentos sociais colocam o tema no centro das discussões sobre o futuro do SUAS. Mas, afinal: como transformar reivindicações importantes em práticas efetivas no cotidiano da gestão e dos serviços?

Por que ainda existem populações invisibilizadas no SUAS?

A invisibilidade não significa ausência de pessoas, significa ausência de reconhecimento e de informação. Quando populações inteiras não aparecem nos dados, nos planos municipais ou nas ações do território, a política pública tende a não enxergá-las.

Entre os fatores que produzem invisibilidade, destacam-se:

  1. Dados insuficientes ou não qualificados

Alguns segmentos não aparecem de forma adequada nas bases de dados, dificultando análises sobre vulnerabilidade. Falta de campos específicos, subnotificação e medo de exposição agravam esse cenário.

  1. Barreiras culturais e institucionais

O preconceito e a discriminação, explícitos ou sutis, ainda são realidade. Sem preparo técnico para acolher as diferenças nos serviços, muitos usuários deixam de busca-los.

  1. Serviços padronizados que não consideram especificidades

Uma população quilombola, uma pessoa indígena, uma pessoa LGBTQIA+ expulsa de casa ou uma pessoa transexual vítima de violência têm vulnerabilidades distintas que não cabem em um padrão único de atendimento.

  1. Falta de articulação com outras políticas e com movimentos sociais

Sem diálogo com saúde, educação, direitos humanos e organizações da sociedade civil, a rede de proteção se fragmenta.

Leia também: Acolhida no CRAS: boas práticas para um atendimento humanizado!

 

Como incluir diversidade nas políticas e práticas do SUAS?

A inclusão não é um ato isolado, ela é um conjunto de escolhas cotidianas de gestão, organização de serviços, formação de equipes e produção de dados. Aqui estão alguns caminhos para municípios que querem avançar e abraçar as diversidades em seu território:

  1. Qualificar o diagnóstico socioterritorial com foco em diversidade

Um diagnóstico atualizado e realista deve responder perguntas essenciais:

  • Quem são as populações historicamente invisibilizadas no município?
  • Onde estão?
  • Quais vulnerabilidades específicas enfrentam?
  • Há barreiras de acesso aos serviços do SUAS?

Ferramentas como vigilância socioassistencial, mapeamento participativo, busca ativa qualificada e articulação com lideranças comunitárias quilombolas, indígenas, coletivos LGBTQIA+, coletivos de pessoas portadoras de deficiência e movimentos negros ajudam a trazer luz a esses grupos.

  1. Reforçar a coleta e qualificação de dados

A gestão pode:

  • Incentivar o registro adequado no Cadastro Único e nos sistemas do SUAS.
  • Dialogar com a área responsável pelo CadÚnico para apoiar campos de diversidade como identidade de gênero e orientação sexual.
  • Realizar capacitações para evitar subnotificação.
  • Integrar dados da saúde, educação e direitos humanos.

Quanto mais dados qualificados, melhor o planejamento e realização de ações socioassistenciais para atender esse público.

  1. Fortalecer a formação das equipes para o acolhimento sem discriminação

Capacitações regulares são fundamentais. Temas como:

  • atendimento humanizado a pessoas LGBTQIA+;
  • racismo institucional e suas implicações;
  • protocolos de acolhimento a mulheres em situação de violência;
  • práticas seguras de atendimento a povos e comunidades tradicionais;
  • abordagem interseccional.

O SUAS só garante direitos quando as equipes se sentem preparadas e seguras para acolher a diversidade.

  1. Adaptar serviços, fluxos e protocolos às necessidades reais do território

Alguns exemplos:

  • CRAS ou CREAS com rotinas específicas para acolher expulsão familiar de jovens LGBTQIA+.
  • Articulação com a saúde no atendimento a mulheres negras que sofrem violência obstétrica.
  • Ações de proteção em territórios quilombolas e indígenas com equipe volante.
  • Flexibilização de horários para mulheres cuidadoras sobrecarregadas.
  • Atendimento prioritário para pessoas com deficiência sem barreiras estruturais.

A inclusão se materializa no cotidiano da unidade.

  1. Fortalecer o controle social e a participação das populações diversas

Os Conselhos têm um papel importante para o fortalecimento do SUAS e isso inclui olhar para populações invisibilizadas. Algumas boas práticas:

  • Incentivar a participação de representantes de grupos diversos nos conselhos;
  • Promover audiências e consultas públicas;
  • Coletar percepções da comunidade sobre barreiras nos serviços;
  • Produzir relatórios temáticos para subsidiar decisões.

O controle social é chave para iluminar realidades que a gestão, sozinha, nem sempre enxerga.

  1. Ampliar articulação intersetorial e comunitária

Ninguém garante proteção social sozinho. Parcerias com:

  • saúde;
  • educação;
  • direitos humanos;
  • promoção da igualdade racial;
  • organizações comunitárias e coletivos de diversidade;
  • universidades;

contribuem para uma rede mais forte e coerente com a realidade dos territórios.

O caminho para um SUAS mais inclusivo: ver, ouvir, reconhecer

Incluir diversidade não é apenas criar ações pontuais. É reconhecer que desigualdades estruturais como racismo, LGBTfobia, machismo, capacitismo e etnocentrismo impactam diretamente as vulnerabilidades atendidas pelo SUAS.

Um SUAS que enxerga, escuta e respeita essas populações invisibilizadas fortalece a proteção social, amplia o acesso a direitos e se aproxima do que a política pública se propõe a ser: um sistema universal, democrático e comprometido com a dignidade de todas as pessoas.

Leia também: A invisibilidade das minorias no Brasil e sua relação com os serviços de Proteção Social para pessoas com deficiência e pessoas idosas no SUAS

Referências:

Caderno “O Dia 17 de maio e o papel do suas no combate à lgbtfOBIA NO BRASIL”, Secretaria Nacional de Assistência Social (SNAS), 2020. Disponível em: https://aliancalgbti.org.br/wp-content/uploads/2020/08/22.-O-Papel-do-SUAS-no-combate-a-LGBTFOBIA.pdf

Guia ANS de Diversidade e Inclusão. Agência Nacional de Saúde Suplementar, 2023. Disponível em: https://www.gov.br/ans/pt-br/arquivos/acesso-a-informacao/transparencia-institucional/planos-de-gestao-de-logistica-sustentavel/copy_of_GuiaANSdediversidadeeincluso.pdf

RESOLUÇÃO CONJUNTA Nº 1, DE 21 DE SETEMBRO DE 2018, Ministério do Desenvolvimento Social (MDS). Disponível em: https://aplicacoes.mds.gov.br/snas/regulacao/visualizar.php?codigo=5254

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