Os Direitos da Mulher e seus Impactos no SUAS

Tempo de leitura: 12 minutos

Por Mônica Ogliari Pereira

Após um longo período na história brasileira, entre o Brasil Colônia até o final da ditadura nos anos 1980, os direitos sociais foram garantidos na Constituição Federal de 1988. As políticas sociais foram sendo implantadas posteriormente, como da saúde, educação, assistência social, previdência, habitação, direitos da mulher, sendo que ainda não atingiram a maioria da população, devido uma tradição autoritária e patrimonialista.

As políticas sociais que prevê os direitos da mulher foram sendo efetivadas no Século XX e XXI, como resposta aos movimentos sociais, que denunciavam uma contínua história de discriminação e preconceitos que vivenciam as mulheres.

Atualmente, a retomada da priorização dos direitos sociais, tem resultado em regulamentações sobre o direito da mulher, trazendo impacto no Sistema Único Assistência Social/SUAS e no seu fazer no cotidiano junto aos serviços, projetos, benefícios e programas previstos.

Ter o conhecimento das políticas sociais e suas legislações é de primordial importância para que se alcance quem dela precisa: as mulheres.

Refletindo sobre Políticas Sociais e os direitos da mulher

As políticas sociais são produtos do conflito entre interesses e forças sociais em luta pelo acesso aos recursos escassos num contexto de desigualdades estruturais. Para Silva (2012, p. 85), a política social é parte do processo estatal de alocação e distribuição de valores, surgindo no hiato derivado do desequilíbrio na distribuição, favorecendo a acumulação em detrimento das necessidades sociais básicas e da desigualdade.

No decorrer da história, a família brasileira passou por diversas transformações marcando o papel da mulher, contudo a sociedade patriarcal ainda permanece nos dias atuais. Camilo (2019) considera que numa sociedade patriarcal é dado aos homens o direito de explorar, dominar e oprimir os corpos e as vidas das mulheres.

Os vestígios da sociedade patriarcal estão presentes no mercado de trabalho, na política, na ausência de direitos sexuais e reprodutivos, na questão da violência doméstica, na responsabilidade em prover a subsistência da família e no cuidado com seus progenitores, como outras questões, sendo necessárias ampliar e aperfeiçoar as políticas sociais.

A história do Brasil é uma história de exclusão, desigualdades, exploração e com uma dívida com os indígenas, negros e com as mulheres, que hoje desempenha múltiplos papéis além daqueles já estabelecidos a ela no decorrer da história.

Hoje, além de mãe, dona de casa e esposa, é trabalhadora, estudante, chefe de família e ocupa diversos espaços na sociedade, sendo ainda necessárias políticas sociais para o alcance de equidade de gênero, para que as mulheres e homens tenham igualdade de acesso a espaços e políticas públicas.

Para tal “é necessário adotar medidas para compensar as desvantagens históricas e sociais que impedem que as mulheres e os homens desfrutem de oportunidades iguais” (LISBOA; MANFRINI, 2005, p. 70).

Além do princípio de equidade como forma de compreender as questões de gênero, também é necessário refletir sobre tais relações e desigualdades numa perspectiva interseccional. É necessário olhar e compreender a realidade a partir de marcadores sociais específicos, como: raça/etnia, renda, orientação sexual, idade, deficiência, origem regional, situação econômica, entre outros.

Cabe salientar, que questões como discriminação e preconceito fazem parte do cotidiano das mulheres, que se confirmam nos dados apresentados a seguir.

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O cotidiano feminino

O Boletim Especial em 2023, publicado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudo Socioeconômicos, chamado “As dificuldades das mulheres chefes de família no mercado de trabalho”, traz dados expressivos sobre a realidade enfrentada diariamente pelas mulheres, como:

– Nas eleições de 2022, mesmo com o aumento das candidaturas femininas – 33,3% de registros a mais nas esferas federal, estadual e distrital, segundo a Agência Senado apenas 302 mulheres, no total, conseguiram se eleger para a Câmara dos Deputados, o Senado, Assembleias Legislativas e governos estaduais, enquanto o número de homens eleitos chegou a 1.394;

– No mercado de trabalho, do total da força de trabalho no Brasil, 44,0% eram mulheres, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (Pnad), realizada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), para o 3º trimestre de 2022. Elas, no entanto, eram também a maioria entre os desempregados (55,5%). Em termos de rendimentos, as mulheres ganharam, em média, 21% a menos do que os homens – o equivalente a R$ 2.305,00 para elas e a R$ 2.909,00 para eles. Por setor de atividades, mesmo quando as mulheres eram a maioria, elas recebiam menos, em média;

– Quanto aos arranjos familiares, as famílias monoparentais com filhos e chefia feminina representaram cerca de 14,7% dos arranjos – muito mais comuns do que aquelas com chefia masculina, que representavam 2,3% em 2022. Os arranjos mais vulneráveis são os da chefia feminina com filhos sem cônjuge, principalmente porque a renda do trabalho do domicílio e a renda per capita foram as menores entre os arranjos analisados. No 3º trimestre de 2022, esse tipo de arranjo somou 11,053 milhões de famílias, 61,7% chefiadas por negras (equivalente a 6,8 milhões) e 38,3%, por não negras (que representavam 4,2 milhões).

– De acordo com o Anuário de Segurança Pública 2023, em 2022 a violência contra a mulher cresceu, sendo aumento de 6,1% num total de 1.437 de feminicídios e 1,2% num total de 4.034 homicídios femininos. A tentativa de feminicídio cresce 16,9%. As vítimas de feminicídios são 61,1 % negras e 71,9% têm entre 18 a 44 anos.

– Cresce os indicadores de violência doméstica, sendo um aumento de 2,9% num total 245.713 agressões por violência por violência doméstica, de 7,2% num total de 613.529 de ameaças, 8,7% de aumento, com 899.485 chamados ao 190 e quanto a violência psicológica, foram 24.382 ocorrências. Quanto às medidas protetivas, cresceu 13,7% com 445.456 medidas protetivas de urgência concedidas.

Leia mais: O que é ofertado na Proteção Social Básica e na Proteção Social Especial?

O SUAS e os direitos das mulheres

Na atualidade, se dispõe de um conjunto de leis que garante o acesso a direitos sociais das mulheres como estudar, votar e ser votada, direito à proteção da violência doméstica, direito ao trabalho, às leis trabalhistas e outros.

As políticas sociais se organizam e se efetivam através de legislações que preveem os direitos sociais e a proteção social, sendo que no Art. 2 Inciso I da Lei Federal n 8.742/1993, um dos objetivos previstos é a “proteção social, que visa à garantia da vida, à redução de danos e à prevenção da incidência de riscos” (BRASIL, 1993).

As políticas de direitos das mulheres têm impacto no Sistema Único de Assistência Social/SUAS, na medida em que a Norma Operacional Básica/ NOB/2012 prevê no Art. 3 Inciso IV como um dos princípios a “intersetorialidade: integração e articulação da rede socioassistencial com as demais políticas e órgãos setoriais” (BRASIL, 2012).

Nas unidades da rede socioassistencial do SUAS, tanto na proteção social básica, como na proteção social especial de média e alta complexidade, as famílias na sua maioria, são representadas por mulheres chefes de família.

De acordo do site do MDS, no programa de transferência do Governo Federal, a ampla maioria dos lares tem uma mulher como responsável familiar. Na folha de pagamento de março de 2023, 81,2% dos benefícios concedidos estão em nome das mulheres. São 17,2 milhões do total de 21,1 milhões de famílias beneficiárias neste mês.

Os trabalhadores do SUAS precisam conhecer as legislações, na medida em que a maioria dos usuários que chegam até as unidades da rede socioassistencial são mulheres, que necessitam orientações e encaminhamentos precisos e atualizados.

Leia também: Mobilização pelo fim da violência contra as mulheres: como a Assistência Social pode ser uma ferramenta?

As principais regulamentações sobre o direito da mulher desde o janeiro de 2023

As conferências da política de assistência social de 2023 têm como tema central, a “Reconstrução do SUAS: O SUAS que temos e o SUAS que queremos”, neste sentido é primordial conhecer as políticas sociais atuais nesta retomada da garantia dos direitos sociais. Tal retomada atinge demais políticas sociais, como pode ser constatado nas legislações aprovadas no ano de 2023, apresentadas na sequência:

Março:
  • Lei 14.538/2023- garante à mulher o direito de troca de implante mamário colocado em razão de tratamento de câncer, quando ocorrer complicações ou algum tipo de efeito adverso, tanto no setor privado como na rede pública
Abril:
  • Lei 14.542/2023 – garante prioridade para mulheres em situação de violência doméstica no Sistema Nacional de Emprego (SINE), facilitando a inserção no mercado de trabalho e a autonomia financeira, com a reserva de 10% das vagas ofertadas
  • Lei 14.541/2023 garante o funcionamento ininterrupto de Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs) durante toda a semana, inclusive em fins de semana e feriados
  • Lei 14.540/2023 instituiu o Programa de Prevenção e Enfrentamento ao Assédio Sexual e demais crimes contra a Dignidade Sexual e à Violência Sexual, que tem como um de seus objetivos prevenir e enfrentar a prática do assédio sexual e demais crimes contra a dignidade sexual e de todas as formas de violência sexual, além de capacitar agentes públicos, implementar e disseminar campanhas educativas.
  • Lei 14.546/2023– Institui o Dia Nacional da Mulher Empresária, que considera a mulher empresária aquela que exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços
  • Lei 14.550/2023- Proteção imediata para mulheres que denunciam violência doméstica, que acrescenta ao Art. 19 da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) dando maior efetividade na aplicação das medidas protetivas de urgência, estabelecendo que a causa ou a motivação dos atos de violência e a condição do agressor ou da ofendida não excluem a aplicação da legislação
Julho:
  • Lei 14.611/2023– Lei da Igualdade Salarial entre mulheres e homens, que estabelece a obrigatoriedade da política de salário igual para trabalho igual
  • Lei 14.612/2023– alteração no Estatuto da Advocacia, que inclui o assédio moral, o assédio sexual e a discriminação entre as infrações ético-disciplinares
  • Lei 14.615/2023– Licença-maternidade para beneficiadas do Bolsa- Atleta, que prevê a proteção para as atletas no período de gestação acrescido do período de até seis meses após o nascimento do bebê, num total de até 15 parcelas mensais sucessivas

Em agosto de 2023, o Supremo Tribunal Federal (STD) decidiu a proibição do uso da tese de legítima defesa da honra para justificar a absolvição de condenados por feminicídio, assim os advogados de réus não poderão mais usar tal argumento para pedir absolvição pelo Tribunal do Júri, argumento este que refletia os resquíciosda sociedade patriarcal.

Pode-se destacar outras iniciativas transversais que garantem o acesso de mulheres às políticas públicas, como a preferência na titularidade no Programa Bolsa Família e nas concessões do Minha Casa, Minha Vida, condições especiais no novo Plano Safra de Agricultura Familiar e a retomada do PRONATEC MULHERES MIL.

Tais direitos foram conquistados no decorrer dos anos e mesmo ainda no Século XXI, existem conquistas a serem feitas e destaca-se ser primordial, que os trabalhadores do SUAS acompanhem a evolução das legislações.

Direitos da mulher e o SUAS: Concluindo

 As legislações apresentadas regulamentam as políticas sociais na garantia dos direitos sociais das mulheres, que sofrem preconceito e discriminação no trabalho, na política, na educação e outros espaços.

Contudo, as mulheres são na sua maioria, responsáveis pela manutenção e cuidados da família e são elas, as principais usuárias da Política de Assistência Social junto a rede socioassistencial.

A intersetorialidade é um desafio no SUAS e para os trabalhadores do SUAS, na medida que exige uma constante atualização das legislações pertinentes às demais políticas sociais, como as que preveem os direitos da mulher.

A Política Nacional de Assistência Social como articuladora, tem uma importante contribuição junto a efetivação das políticas sociais junto as mulheres, que diante de tanta desigualdade, preconceitos e discriminação presentes na sociedade, ainda necessitam da proteção social.

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REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 8.742/1993. Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS/SUAS).  Brasília/DF.1993

BRASIL. Norma Operacional Básica do Sistema Único Assistência Social. Brasília/DF. 2012

BRASIL. Central de notícias. Disponível emhttps://www.gov.br/mulheres/pt-br/central-de-conteudos/noticias/2023/julho/conheca-as-9-leis-sancionadas-em-2023-voltadas-para-beneficio-dasmulheres#:~:text=6%20%2D%20Lei%2014.542%20garante%20prioridade,a%20trilha%20da%20autonomia%20financeira acesso em 26 de agosto de 2023

Boletim Especial. Disponível em https://www.dieese.org.br/boletimespecial/2023/mulheres2023.html acesso em 29 de agosto de 2023

LISBOA, Teresa Kleba; MANFRINI, Daniela Beatriz. Cidadania e equidade de gênero: políticas públicas para mulheres excluídas dos direitos mínimos. Katálysis, v. 8 n. 1, p.67-77, Florianópolis, SC. jan./jun. 2005. Disponível em file:///C:/Users/Cliente/Downloads/7103-Texto%20do%20Artigo-21415-1-10- 20081001.pdf  acesso em 22 de julho de 2023

SILVA, Afrânio de Oliveira. Estado e sociedade. Indaial: Uniasselvi, 2012

 

 

 

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