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Por Ariane Macedo
Em dezembro de 2023, juntamente à comemoração pelos 75 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, o governo federal lançou o Plano de Ação e Monitoramento para Efetivação da Política Nacional para População em Situação de Rua, apelidado de Plano Nacional Ruas Visíveis. Você já consultou este material? Aqui, irei falar um pouco da trajetória que culminou em sua publicação e quais são seus impactos na Política de Assistência Social.
A Política Nacional para a População de Rua (PNPSR)
A Política Nacional para a População de Rua (PNPSR) foi instituída em 2009 e possibilitou avanços históricos para esta população, como a criação e implantação dos Centros Pop (ou CREAS Pop, como chamado em alguns municípios) e o acesso a benefícios socioassistenciais através do CadÚnico.
Apesar de se tratar de uma política pública implantada há mais de 14 anos, sua adesão foi baixa: quando lançada, apenas 18 municípios e DF aderiram. Até o ano de 2022, o país contava com apenas 246 Centros Pop, distribuídos entre 218 municípios. Alguns estados contam com apenas um (como Sergipe e Rondônia), outros estados sem nenhum Centro Pop (como Tocantins e Roraima). Em caso de municípios sem este equipamento, o atendimento e acompanhamento socioassistencial a este público pode ser realizado nos CREAS.
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O Brasil pós-pandemia da Covid-19
O cenário econômico e social nacional se agravou drasticamente nos últimos anos, como é de conhecimento geral, e o número de pessoas que se depararam em situação de rua cresceu vertiginosamente.
Em 2022, diante do contexto da pandemia da Covid-19, o Brasil voltou ao Mapa da Fome, ultrapassando a marca de 33 milhões de pessoas sem condições de garantir sua alimentação. E, claro, muitas destas pessoas integram a população que está nas ruas.
De acordo com dados do CadÚnico, nos últimos cinco anos, o total de pessoas em situação de rua ultrapassou 221 mil, presentes em mais de 2.300 municípios pelo país. E então, como o Poder Público poderá atender a esta demanda?
2023 e o caminho até a chegada do Plano Nacional Ruas Visíveis
Dentro dos 100 primeiros dias do atual governo, o Ministério de Direitos Humanos e Cidadania (MDHC) recriou o Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política Nacional para a População em Situação de Rua (CIAMP-Rua), com ampla participação da sociedade civil e de 11 ministérios – em especial o Ministério do Desenvolvimento e Ação Social – MDS, onde estão concentradas a maioria das ações à população de rua.
O CIAMP-Rua é instituído como importante instrumento de controle social, com representações de movimentos sociais. Este comitê tem a função de implementar e monitorar as ações apresentadas no Plano Ruas Visíveis.
Podemos considerar que um dos motivos para a baixa adesão dos municípios à PNPSR tenha sido o baixo repasse de recursos para sua implementação. Neste sentido, o novo Plano Nacional chega com expressivo aumento de repasse, estimando-se que o total de equipamentos e equipes aumente, como veremos adiante.
Ainda no ano de 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que todos os estados e municípios devem aplicar as diretrizes do PNPSR, independente da adesão ou não.
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Serviço especializado para pessoas em situação de rua
O Plano Nacional Ruas Visíveis e a Assistência Social
O Plano Nacional Ruas Visíveis foi lançado em dezembro de 2023, contando com quase R$1 bilhão de investimento inicial a ser distribuído entre 7 eixos. Destes, quase R$ 600 milhões estão direcionados à Política de Assistência Social e Segurança Alimentar
A aplicação da verba do Plano ao MDS se dará prioritariamente através de repasse aos estados e municípios. Um ponto importante, além da questão orçamentária, é a articulação entre as três esferas. Afinal, podemos considerar que é “na ponta” que o trabalho é realizado em sua concretude, no contato direto entre Poder Público e indivíduos e famílias.
O Plano contempla 7 eixos compostos por dezenas de ações, distribuídas entre diferentes ministérios. O primeiro e maior deles é o da Política de Assistência Social, através de 24 ações que visam ampliar e fortalecer os serviços socioassistenciais. A este eixo, o governo federal destinará, como orçamento inicial, o valor de R$ 575.712.331,00. Dentre as ações que nos contemplam, estão:
- R$ 123.450.000,00 serão repassados aos estados e municípios para a execução de Centros Pop, Equipes do Serviço Especializado de Abordagem Social e para a execução de pouco mais de 19 mil vagas de acolhimento desta população;
- O PROCAD-SUAS será incumbido de realizar busca ativa do CadÚnico para acesso aos benefícios socioassistenciais (PBF ou BPC);
- Serão criadas equipes volantes nas capitais Belo Horizonte, Manaus, Natal, Porto Alegre e Recife;
- Aprimoramento do Prontuário SUAS;
- Comissão Intergestores Tripartite (CIT) será instituída;
- A população em situação de rua será inserida na Política Nacional dos Cuidados;
- Os “kits de dignidade menstrual” serão regulamentados;
- 10 mil profissionais do SUAS serão capacitados para a PNPSR;
- Elaboração de material didático para o Capacita SUAS e Educação Permanente;
- Capacitação de 75% dos trabalhadores dos serviços à população em situação de rua por meio de supervisão técnica;
- Levantamento diagnóstico de demandas da população em situação de rua para inclusão na PNPSR e no Plano Nacional de Cuidados;
- Viabilização de acesso a escola integral para crianças e adolescentes em situação de rua;
- Priorização das pessoas em situação de rua no Plano Brasil Sem Fome;
- Apoio e capacitação para investimento em cozinhas solidárias e programas de economia solidária, com destaque em sua operação ao protagonismo de pessoas em situação de rua e catadores de materiais recicláveis.
A execução deste Plano vai até 2026, sob monitoramento do CIAMP-Rua e com revisões anuais. Além disso, serão apresentados relatórios semestrais, com resultados divulgados nas redes sociais do MDHC e em plataforma digital do Observatório Nacional de Direitos Humanos.
Plano Nacional Ruas Visíveis: novos recursos e possibilidades
O Plano Nacional Ruas Visíveis possibilita e estimula a participação mais próxima dos movimentos sociais, viabilizando o controle social – direito garantido constitucionalmente e uma das diretrizes da Lei Orgânica de Assistência Social.
Os demais eixos envolvem ainda saúde; enfrentamento à violência institucional; cidadania, educação e cultura; moradia; trabalho e renda; produção e gestão de dados. Como um todo, o Plano prevê ações que complementam o trabalho realizado pelo SUAS e se somam para garantir acesso aos direitos da população em situação de rua.
Ao fim de 2026, é planejada a realização do primeiro Censo Nacional da População em Situação de Rua, e então a PNPSR será atualizada. Ou seja: estima-se que, nos próximos anos, a Política de Assistência Social seja executada de forma mais consistente na garantia de direitos à população de rua – seja para quem vive nesta condição há anos, seja a quem se deparou com essa realidade em tempos mais recentes, em decorrência do contexto nacional. Acompanhemos