Participação e Controle Social para o fortalecimento do SUAS

Tempo de leitura: 11 minutos

Por Gisele Rodrigues

A 14ª Conferência Nacional de Assistência Social, com o tema “20 anos do SUAS: construção, proteção social e resistência”, convida a uma reflexão crítica sobre a trajetória do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) no Brasil. Ao longo de duas décadas, o SUAS tem se consolidado como um instrumento fundamental para a garantia de direitos e a promoção da justiça social, enfrentando desafios e construindo uma rede de proteção que busca atender às necessidades da população mais vulnerável.

Nesse contexto, a participação e o controle social emergem como pilares essenciais para o fortalecimento do sistema, assegurando que as políticas públicas reflitam as reais necessidades da sociedade. O Eixo 4 da conferência, intitulado “Gestão democrática, informação e comunicação transparente: fortalecendo a participação social no SUAS”, destaca a importância de um sistema democrático e participativo. Dentre os objetivos do eixo, destaca-se o de “[…] Reforçar a importância da participação ativa da sociedade civil na formulação, execução e monitoramento do SUAS” (Informe CNAS, 1/2025).

Então, neste artigo queremos fortalecer esse debate destacando a importância de trazer centralidade para a participação da população usuária no SUAS.

A importância da participação e do controle social no SUAS

A participação social, alicerçada nos princípios democráticos, garante que a formulação e implementação das políticas públicas contem com a voz da sociedade civil. No SUAS, isso se traduz no direito de usuários, organizações da sociedade civil, trabalhadoras e trabalhadores do sistema participarem ativamente das decisões sobre a Política de Assistência Social.

Como exemplo, citamos a organização do Fórum Nacional de Trabalhadoras e trabalhadores do SUAS (FNTSUAS), que é um espaço coletivo e autônomo de organização política dos trabalhadores do Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Fundado em 2004, o FNTSUAS tem como objetivo defender os direitos e interesses da classe trabalhadora do SUAS, promover a participação social e o controle social e contribuir para o fortalecimento do SUAS.

O controle social, por sua vez, exerce papel fiscalizador, assegurando transparência e responsabilidade. Os Conselhos de Assistência Social, com representação governamental e da sociedade civil, são instâncias importantes de exercício desse controle, monitorando a aplicação de recursos e a qualidade dos serviços prestados à população usuária. A história do SUAS demonstra que sua existência foi impulsionada pela participação e controle social, como evidenciado na IV Conferência Nacional de Assistência Social em 2003, marco para a implantação do sistema.

O divisor de águas na estruturação da política de Assistência Social como política pública veio com o advento da IV Conferência Nacional de Assistência Social, ocorrida em Brasília, em 2003, que teve como tema “Assistência Social como Política de Inclusão: Uma nova agenda para a cidadania – LOAS 10 anos”. A partir de um amplo processo de mobilização social e debate, o Brasil decidiu romper, definitivamente, com a lógica voluntarista no campo socioassistencial. E os resultados da IV Conferência Nacional tornaram possível o início da implantação do Sistema Único da Assistência Social – SUAS, como modelo de organização e gestão das ofertas da proteção social não contributiva. (II Plano Decenal, pág. 2)

Portanto, a participação social contribui para a melhoria da qualidade e da relevância dos serviços do SUAS, pois permite que as necessidades e demandas da população sejam consideradas na formulação das políticas. Além disso, esta participação fortalece a cidadania, permitindo que usuárias e usuários exerçam seus direitos e se tornem protagonistas na construção de um sistema de Assistência Social mais democrático.

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Desafios para a efetivação da participação social

Apesar dos avanços na legislação das diversas políticas públicas no Brasil, a efetivação da participação social no SUAS ainda enfrenta diversos obstáculos. A desigualdade de acesso à informação e aos espaços de participação pode ser evidenciada como um dos principais desafios, afetando principalmente grupos vulneráveis como pessoas em situação de rua, pessoas idosas, pessoas com deficiência e comunidades tradicionais. Muitas vezes, esses grupos não têm conhecimento sobre seus direitos ou sobre os mecanismos de participação existentes, o que dificulta sua atuação nas decisões sobre o SUAS.

Além disso, a participação social muitas vezes se restringe à presença em reuniões e eventos, sem que haja uma real influência nas decisões tomadas. É preciso superar essa cultura de participação formal e promover uma participação qualificada, com informações claras e acessíveis, linguagem inclusiva e espaços de diálogo que incentivem a troca de ideias e a construção coletiva de soluções. A falta de recursos e infraestrutura também representa um obstáculo significativo, especialmente em áreas remotas ou com alta vulnerabilidade social. A falta de transporte, acessibilidade física e tecnológica, e recursos financeiros para custear a participação podem impedir que muitos cidadãos exerçam seu direito de participar.

Com intuito de ampliar esse debate é que no Informe 1/2025 (pág. 25) o CNAS – Conselho Nacional de Assistência Social – destaca os seguintes temas prioritários para o Eixo 4:

• A gestão democrática e compartilhada como princípio estruturante do SUAS;
• A importância da mobilização e participação social: o necessário fortalecimento da representatividade por meio dos fóruns, coletivos, movimentos sociais, associações de usuárias/os, entidades sociais e trabalhadoras/es;
• Aprimoramento dos mecanismos de participação e controle social;
• Participação ativa da sociedade civil na formulação, execução e monitoramento das políticas públicas;
• Integração e coordenação interfederativa;
• Democratização e fortalecimento dos conselhos de assistência social;
• Informação e a Comunicação no SUAS;
• Ouvidoria do SUAS.

Outro desafio é a necessidade de fortalecer a cultura de participação social na sociedade brasileira. É preciso incentivar a participação desde a infância, valorizar o papel da sociedade civil na construção das políticas públicas e promover a educação para a cidadania. A tecnologia pode ser uma aliada nesse processo, facilitando a comunicação e o acesso à informação, mas é fundamental garantir que todos os grupos tenham acesso às ferramentas digitais e que elas sejam utilizadas de forma inclusiva e democrática.

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A centralidade na população usuária do SUAS

A centralidade na população usuária é um princípio importante no SUAS, que exige que o sistema coloque as famílias e indivíduos no centro de suas ações e decisões. Isso significa que o SUAS deve garantir os direitos das usuárias e usuários, como o acesso à informação, à participação, à qualidade dos serviços, à promoção de sua autonomia e protagonismo. Para alcançar esse objetivo, é preciso superar a visão assistencialista, que trata a população como mera receptora de benefícios, e valorizar sua capacidade de construir seus próprios projetos de vida.

A centralidade na população usuária também implica em garantir a qualidade das ofertas no âmbito do SUAS. Isso significa que os serviços, programas, projetos e benefícios devem ser acessíveis e adequados às necessidades dos usuários e usuárias. Além disso, os profissionais do SUAS devem ser capacitados para atender à população de forma qualificada, humanizada e respeitosa, considerando suas particularidades e valorizando suas experiências.
Para organização da Conferência em cada município é necessário verificar quais desafios se apresentam ao fortalecimento da participação e controle social no SUAS. Diante disso, o Eixo 4 propõe debater e encaminhar propostas com relação a algumas questões (CNAS, pág. 29, Informe 1/2025):

• Como garantir a mobilização e a participação social? Quais estratégias usar, tendo em vista as diferentes realidades e conjunturas e também as novas possibilidades tecnológicas?

• De que maneira o controle social é percebido hoje? Qual seu significado efetivo para o avanço e para a consolidação do SUAS?

• Os conselhos de assistência social são mecanismos respeitados no âmbito da gestão do SUAS? A sociedade compreende a importância do conselho?

• As decisões a respeito do SUAS estão sendo tomadas a partir do debate democrático? As Câmaras Intergestores são respeitadas como espaços de decisão coletiva? Suas decisões são conhecidas por todas/os?

• A informação e a comunicação do SUAS vêm alcançando usuárias/os, trabalhadoras/es entidades, comunidades e sociedade em geral? Como fazer o SUAS ser compreendido tendo em vista sua importância como sistema de direitos? Qual é o impacto das “fake news” e da desinformação na percepção pública sobre a Assistência Social e formas de enfrentamento?

• Como assegurar a ouvidoria do SUAS ou outras estratégias de comunicação institucional que podem ser estabelecidas para a manifestação da população sobre o SUAS?

Para colocar a população usuária no centro do SUAS, é preciso investir em mecanismos de participação social que permitam a ela expressar suas necessidades e demandas, bem como a participar da formulação, implementação e avaliação da Política de Assistência Social. Além disso, é preciso garantir a transparência na gestão do SUAS, divulgando informações sobre os recursos e os serviços prestados, utilizando sempre linguagem clara e acessível na comunicação com a população.

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Propostas para o fortalecimento da participação e do controle social no SUAS

Para fortalecer a participação e o controle social no SUAS, é fundamental investir na estruturação dos Conselhos de Assistência Social, garantindo sua autonomia e capacidade de fiscalização. Isso inclui a ampliação do número de conselheiras/os, a melhoria da infraestrutura dos conselhos e a garantia de recursos financeiros para o seu funcionamento. Além disso, é preciso incentivar a participação dos grupos mais vulneráveis, criando mecanismos que facilitem seu acesso aos espaços de participação. Isso pode incluir a realização de reuniões descentralizadas, a disponibilização de transporte e a utilização de linguagem clara e inclusiva.

Outra proposta essencial é investir na formação de conselheiras, conselheiros, trabalhadoras, trabalhadores, usuárias e usuários do SUAS, para que possam exercer seus direitos e participar das decisões sobre o sistema de forma qualificada. A formação deve abordar temas como legislação, políticas públicas, direitos humanos e controle social. A tecnologia também pode ser uma aliada nesse processo, facilitando a comunicação e o acesso à informação. A criação de plataformas online para consulta pública, a realização de reuniões virtuais e a utilização de redes sociais podem ampliar o alcance da participação e fortalecer o controle social.

E, ainda, a criação de canais de comunicação direta com a população usuária, como ouvidorias e serviços de atendimento ao cidadão, também pode contribuir para o fortalecimento da participação e do controle social no SUAS.

Conclusão

A partir do exposto destacamos que a 14ª Conferência Nacional de Assistência Social é uma oportunidade para reafirmarmos o compromisso com a construção de um SUAS mais justo, democrático e participativo.

Pois, ao fortalecer a participação, o controle social e a centralidade na população usuária do SUAS, damos um passo relevante para a consolidação de um sistema que garanta a proteção social e a promoção da dignidade humana.

Leia também: Conferência Municipal de Assistência Social: porque e como organizar!

Referências

BRASIL. II PLANO DECENAL DA ASSISTÊNCIA SOCIAL (2016/2026) “Proteção Social para todos/as os/as brasileiros/as” — Brasília, DF: MDS/SNAS, 2016.
CNAS. Informes CNAS nº 1/2025 – Temas e Eixos. 14ª Conferência Nacional de Assistência Social, com o tema “20 anos do SUAS: construção, proteção social e resistência”, 2025.

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