A Vigilância Socioassistencial na gestão do trabalho e organização do SUAS.

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Por Edvania Freitas

A atuação integrada da gestão do trabalho com a vigilância socioassistencial é uma inovação no Sistema Único de Assistência Social – SUAS, que potencializa as ofertas de proteção social, materializadas por meio dos serviços socioassistenciais em todo Brasil. Para fundamentar essa ideia, torna-se relevante destacar que a Política Nacional de Assistência Social – PNAS é o escopo principal de todas as ações que atualmente estão implementadas no SUAS.

Inicialmente, destaca-se como principais marcos normativos para a implementação da Política Nacional de Assistência Social – PNAS 2004 no Brasil, sua fundamentação nos artigos da Constituição Federal de 1988 que versam acerca da seguridade social. Em seguida, a promulgação da Lei Orgânica de Assistência Social – LOAS em 1993, quando a assistência social foi organizada a partir de princípios e diretrizes que permitiram que se fundamentasse efetivamente a construção dessa Política, no ano de 2004 e logo em seguida, do SUAS em 2005.

Destaca-se, que anteriormente ainda no ano de 2003 houve discussões para embasar essas construções, com a perspectiva de superação do modelo assistencialista e clientelista no Brasil, a partir da elaboração de um modelo de proteção social que se materializasse sob a primazia da responsabilidade pública, na regulação, gestão e implementação, a partir de um modelo descentralizado e participativo.

A consolidação da PNAS oportunizou diversos avanços normativos institucionais no cenário nacional, com destaque para a criação e implementação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) em 2005, que por sua vez ampliou as bases operativas dessa política pública, bem como reforçou a corresponsabilidade dos entes na gestão e implementação de serviços, programas, benefícios e projetos socioassistenciais em todo país, a organização da gestão do trabalho, a educação permanente e a  implementação da Vigilância Socioassistencial enquanto função da política atrelada à  proteção social e à defesa de direitos.

Nesse cenário, constituíram-se, a partir dessas discussões no Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS, órgão paritário e deliberativo de controle social, diversas resoluções que permitiram nortear a consolidação da PNAS e do SUAS em território nacional, a exemplo das duas Normas Operacionais Básicas – NOB SUAS e NOB de Recursos Humanos que vieram estabelecer as diretrizes para a gestão do trabalho, no âmbito do SUAS, e definir as equipes de referência para os serviços de proteção social básica e especial de média e alta complexidade e estabelecer princípios éticos para os trabalhadores da assistência social, diretrizes para a educação permanente, planos de cargos e salários, além de organizar as corresponsabilidades, competências e atribuições dos entes federados para implementação da gestão do trabalho e, já no fim do período citado, destaca-se a  Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais que vem nortear as diretrizes para implementação dos serviços, programas e ações.

Nesta perspectiva de avanços, podemos considerar ainda a vigilância socioassistencial, que representa uma função e, ao mesmo tempo, um objetivo da política de assistência social cuja atuação tem como foco a produção e sistematização de informações territorializadas, produzidas pelos trabalhadores do SUAS, e construção de indicadores e índices que geram estatísticas e corroboram com o planejamento e o redimensionamento do processo de trabalho, a partir dos dados produzidos.

Enquanto isso, a gestão do trabalho cuida das especificidades dos trabalhadores do SUAS, reconhecendo que o acesso aos direitos socioassistenciais é materializado por estes trabalhadores, conforme preconiza a Norma Operacional Básica de Recursos Humanos de 2006, e, posteriormente, a Lei nº 12.435 de 2011 que apresenta a gestão do trabalho e a educação permanente como um dos objetivos do SUAS.

Cabe destacar que a gestão da informação no SUAS não é uma tarefa exclusiva da vigilância socioassistencial, ainda que essa área seja essencialmente dedicada a gerir e produzir informações. Dessa forma, as unidades socioassistenciais são provedoras de dados que, após serem processados pela vigilância socioassistencial são utilizados para subsidiar o processo de planejamento das ações que se materializam nos territórios. Essa atuação integrada deve acontecer de forma articulada com a gestão do trabalho.

Leia também: Gestão da Informação e Vigilância: organização dos processos de trabalho.

 

A integração entre a Gestão do Trabalho e a Vigilância Socioassistencial

A Lei 12.435, de 2011 inovou ao incorporar a implementação da gestão do trabalho como um dos objetivos da organização e da gestão do SUAS. Ao tempo em que a referida Lei instituiu a vigilância socioassistencial enquanto um dos objetivos da política de assistência social, também a destaca como um instrumento das proteções da assistência social que identifica e previne as situações de risco e vulnerabilidade social e seus agravos no território. (LOAS, 1993, pág. 11, texto incluído pela Lei nº 12.435/2011).

A gestão do trabalho e a vigilância socioassistencial são duas áreas estratégicas e inovadoras no âmbito da gestão do SUAS. Ambas compreendem que a gestão da informação, o planejamento e a organização do processo de trabalho são essenciais para a qualificação das ofertas de proteção social em todo território brasileiro.

A  vigilância socioassistencial atua no apoio contínuo às tarefas de planejamento, gestão, monitoramento, avaliação e execução dos serviços socioassistenciais, imprimindo caráter técnico à tomada de decisão, a partir da produção e disseminação de informações, possibilitando conhecimentos que contribuam para a efetivação do caráter preventivo e proativo da política de assistência social, assim como para a redução dos agravos, fortalecendo a função de proteção social do SUAS (NOB-SUAS, 2012, pág.41).

De igual modo, a gestão do trabalho no SUAS compreende o planejamento, a organização e a execução das ações relativas à valorização do trabalhador e à estruturação do processo de trabalho institucional, no âmbito da União, dos Estados dos Municípios e do Distrito Federal. (NOB-SUAS,2012, Pag.46)

Um dos grandes desafios dessas duas áreas é atuar de forma integrada, considerando as particularidades da União, Estados, Municípios e Distrito Federal na condução e gestão da política pública de assistência social, no entanto, a NOB-SUAS 2012 traz uma inovação, ao definir que a União, Estados, Municípios e Distrito Federal, devem construir o Pacto de Aprimoramento com ações estruturantes que visem ao gradativo aprimoramento da gestão do SUAS e do provimento dos serviços e programas socioassistenciais.

Para esse fim, foram instituídas metas a serem alcançadas, gradativamente, pelas gestões municipais e estaduais. Esse processo de aperfeiçoamento da gestão do SUAS tem, como principais metas, o processo de desprecarização dos vínculos trabalhistas e a institucionalização das Secretarias Estaduais e municipais de assistência social com a formalização de áreas essenciais. (Pacto de Aprimoramento do SUAS, quadriênio 2014 – 2017).

Esse processo se dá a partir da regulamentação do SUAS, quando as áreas essenciais são instituídas de maneira formal, na estrutura do órgão gestor de assistência social, áreas constituídas de Proteção Social Básica, Proteção Social Especial, com subdivisão de Média e Alta Complexidade, Gestão Financeira e Orçamentária, Gestão de Benefícios Assistenciais e Transferência de Renda, área de Gestão do SUAS com competência de: Gestão do Trabalho, Regulação do SUAS e Vigilância Socioassistencial (Pacto de Aprimoramento do SUAS, quadriênio 2014 – 2017).

O destaque do Pacto de Aprimoramento supracitado, só reforça a necessidade da integração entre a gestão do trabalho e a vigilância socioassistencial, considerando que ambas se complementam e validam a indução de ações de qualificação contínua dos trabalhadores e a melhoria das condições de trabalho no SUAS. Ademais, as ações conjuntas devem promover o desenvolvimento de habilidades e competências profissionais que contribuam para a gestão dos entes federativos, conforme pode-se observar no que  apresenta Koga (Brasil, 2015: 30) […] sendo a vigilância socioassistencial essencialmente uma função do SUAS para fortalecer os seus objetivos, de proteção social e defesa e garantia de direitos, se faz necessário reconhecer o papel da gestão do trabalho […] que cumpre uma função de mediação entre a política de assistência social e o cidadão. Para tal, é preciso que haja confluência nos processos de trabalho, entendendo-se que ambas as áreas atuam com e para os trabalhadores do SUAS e usuários/as, a partir de ações específicas, mas que se complementam.

Apesar dos avanços normativos já citados anteriormente, a vigilância socioassistencial e a gestão do trabalho, ainda são áreas em contínuo processo de implementação em todo território nacional.

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A vigilância socioassistencial enquanto mecanismo de gerenciamento de informações e organização da gestão do trabalho.

É sabido que a vigilância socioassistencial, enquanto função da política de assistência social deve atuar na produção e análise de informações territorializadas e interligadas entre demandas e respostas de proteção social e defesa de direitos socioassistenciais. É uma área vinculada à gestão do SUAS e, como instrumento de gestão da informação, deve dedicar-se a apoiar o planejamento, a supervisão e a execução dos serviços socioassistenciais.

Essas informações, possibilitam à gestão do SUAS, compreender e ressignificar as ofertas de serviços e também promover uma análise mais aprofundada da dicotomia oferta e procura, pois de nada adiantaria possuir capacidade de atendimento sem prover as ofertas com profissionais qualificados e estruturas mínimas para execução do trabalho social.

Vale salientar que mesmo diante de inúmeros avanços ainda convivemos com situações de precarização da mão de obra, temos trabalhadores com vínculos trabalhistas fragilizados, condições mínimas de atendimento, insalubridade, viés político nas ações do trabalho social com famílias, supressão de informações, inexistência de momentos formativos, estudos de casos, entre outros desafios.

Contornando todas as expectativas negativas geradas em torno da materialização do processo de trabalho eficaz ante aos desafios acima listados, vislumbra-se uma atuação mais voltada a análise de dados produzidos pela vigilância socioassistencial, visando compor as equipes de acordo com o porte e capacidade de atendimento do município, a partir da análise dos dados que apontam inúmeras direções.

Para que este processo se efetive, sugere-se que haja uma estreita relação da gestão do SUAS municipal com a vigilância socioassistencial e com as equipes que atuam no provimento dos serviços socioassistenciais, sendo estes, importantes produtores de informações, sempre que registram e armazenam, de forma adequada, dados relativos ao território e ao perfil dos usuários, além de informações referentes ao tipo de volume de atendimentos que realizam.

Este processo, contribui para o mapeamento de situações de risco e vulnerabilidade, violações de direitos e ainda aponta para a necessidade de se avaliar a qualidade do atendimento, rompendo com a falta de atenção ao corpo técnico que é a mola mestra de toda a estrutura de funcionamento dos programas projetos e serviços socioassistenciais.

Nesse pórtico, já podem ser definidos os pontos de partida para implementar a articulação da vigilância socioassistencial com a gestão do trabalho, quando se infere que grande parte dos dados essenciais à atuação da vigilância são produzidos a partir dos conhecimentos acumulados pelas equipes.

Nesse sentido, a vigilância socioassistencial consiste no desenvolvimento de capacidades e meios técnicos para que os gestores e profissionais da Assistência Social possam conhecer a presença das formas de vulnerabilidade social da população e do território pelo qual são responsáveis, incentivando o planejamento de ações preventivas e contribuindo para o aprimoramento das ações que visem à restauração dos direitos violados e à interrupção de situações de violência.

É evidente a necessidade da integração entre a Gestão de Trabalho no SUAS e a vigilância socioassistencial  visando que se materialize como um mecanismo de gerenciamento, essencial ao processo de organização, estruturação e padronização de informações indo além do gerenciamento de Recursos Humanos, visando a qualidade tanto no que diz respeito ao atendimento como a qualificação constante do profissional do SUAS, para que esteja sempre atento as transformações da sociedade que geram novos contextos de risco e vulnerabilidade.

Sob essa perspectiva, cabe argumentar  com as equipes que atuam no provimento dos serviços, programas e benefícios que, o registro de informações é uma atividade inerente ao exercício profissional de determinadas profissões, que a construção de instrumentais de registro de trabalho padronizados, a guarda sob sigilo e o registro qualificado possibilita a produção de informações concretas sob a realidade das famílias e dos territórios onde elas vivem e ainda, que a produção dessas informações  corrobora com o conhecimento da realidade, possibilitando a tomada de decisões pela gestão, quanto à manutenção e/ou redimensionamento das ofertas de proteção social no território.

Além disso, a vigilância socioassistencial, a partir do gerenciamento dessas informações deve subsidiar a gestão do trabalho na elaboração de estudos e  diagnósticos sobre:  oferta e demanda; condições de trabalho; perfil dos trabalhadores que integram as equipes de referência e o perfil requerido pelo SUAS; impactos da alta rotatividade de profissionais nas ofertas dos serviços e programas;  falta de estrutura e manutenção dos serviços;  baixa participação dos trabalhadores no controle social; redimensionamento no modelo de atenção;  expansão de serviços, entre outras tarefas. Por tudo isso, destaca-se o quão importante é que   essas duas áreas estratégicas e essenciais da gestão do SUAS, se materializem de forma integrada.

Leia também: Os desafios da Vigilância Socioassistencial

 

Conclusão

A gestão da informação implica na construção de estratégias, técnicas, métodos e conhecimentos voltados para a produção, armazenamento, processamento, análise e disseminação de informações relevantes, quer seja no âmbito da gestão ou do provimento dos serviços socioassistenciais. E, para que isso ocorra de forma qualificada, faz-se necessário o estabelecimento de relações de trabalho entre a vigilância socioassistencial e a gestão do trabalho.

Essa integração deve possibilitar a construção de caminhos possíveis para efetivação de ambas as áreas, considerando as especificidades e particularidades de cada território. Pensar essa atuação de forma articulada vai permitir às gestões estaduais e municipais otimizar e/ou reorganizar processos de trabalho, potencializar o alcance de resultados, conhecer a realidade dos territórios e das situações vivenciadas pelas famílias atendidas nos serviços, reforçar o desenvolvimento das funções proativas e preventivas e construir possibilidades de respostas pelas equipes.

Ademais, a atuação conjunta deve provocar uma reflexão acerca da realidade social, sob o campo protetivo da assistência social com suas potencialidades, fragilidades e déficits, o diálogo com outras políticas com o objetivo de potencializar as ações, refletir sobre a dimensão política (as correlações de forças e projetos em disputa), visão prospectiva de avanços na proteção social em âmbito estadual e municipal.

Esse processo pode se dar de forma articulada entre a vigilância socioassistencial e gestão do trabalho, pretendendo a  definição e o planejamento de novas metodologias, a partir da escuta dos profissionais que atuam nos territórios de abrangência dos serviços, dos profissionais que atuam em outras políticas públicas, dos líderes comunitários, dos usuários e  dos moradores, objetivando conhecer suas demandas e sobretudo suas potencialidades, construindo conhecimento afetivo e relacional do território e ainda mapear meios de comunicação, entre outras ações.

Para realizar esse mapeamento, existem ferramentas metodológicas que possibilitam o conhecimento do território e suas potencialidades, bem como dos processos de trabalho, viabilizando construções coletivas de propostas que fundamentem o aprimoramento da gestão e a qualificação das ofertas e atendimento, permitindo assim, o alcance das metas, atenuando ou até mesmo exaurindo as situações de desproteção social nos territórios.

É dessa forma que a gestão do SUAS deve utilizar a vigilância socioassistencial para estruturar a gestão do trabalho, apoiar atividades de planejamento, produzir, sistematizar, analisar e disseminar informações territorializadas, qualificar o trabalho, prover estrutura mínima para os trabalhadores, complementar equipes que estejam com lacunas, corroborando com a desprecarização dos vínculos trabalhistas, tudo isso do constante estudo e análise dos dados e informações disponíveis.

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Referências

BRASIL, Norma Operacional Básica do Sistema Único de Assistência Social-NOB-SUAS/Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Brasília: MDS,2012.

_______Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. GESTÃO DO TRABALHO NO ÂMBITO DO SUAS: Uma contribuição Necessária. — Brasília, DF: MDS; Secretaria Nacional de Assistência Social, 2011.

______Gestão do Trabalho e Educação Permanente do SUAS em Pauta/Organizador: José Ferreira da Crus. et al. – Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome – 1ª ed. – Brasília: MDS, 2014, p.30 a 33.

_______Política Nacional de Assistência Social – PNAS/2004. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Brasília, 2005.

_______ Norma Operacional Básica de Recursos Humanos – NOB-RH/ SUAS. Resolução CNAS nº 269, 26.12.2006. Brasília: MDS,2011.

 

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