Juventude: Violência, Violação de Direitos e Proteção Social no SUAS

Tempo de leitura: 15 minutos

Por Mônica Ogliari Pereira

Ao longo do processo da construção da Política de Assistência Social, o tema da juventude, é acompanhado pela interrogação sobre as possíveis afinidades e limites desta relação entre os jovens e assistência social.

No decorrer dos 32 anos do ECA, a efetivação da proteção integral da criança e adolescente se fez com avanços e retrocessos. Pode-se destacar como avanço as políticas sociais voltada para a juventude, que acompanharam os acordos e tratados internacionais.

Em 2010, a Emenda Constitucional nº 65 inclui a nomenclatura “jovens” no Art.227 da Constituição Federal garantindo a proteção integral e prioridade absoluta para eles, reconhecendo que este segmento necessita de proteção.

Neste contexto de responsabilização do Estado e com a mobilização da sociedade civil foi elaborado e aprovado a Lei nº 12.852 de 2013, regulamentando a proteção social aos jovens no Brasil. O Estatuto da Juventude traz no Art.1 Inciso II que “são consideradas jovens as pessoas com idade entre 15 (quinze) e 29 (vinte e nove) anos de idade”, mas a faixa etária é apenas uma das características da juventude. Já para o Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990, adolescentes são aqueles entre 12 e 18 anos incompletos.

A juventude e as suas múltiplas faces sempre foram um desafio a ser compreendido, frente suas inúmeras demandas e a primordialidade de ter as respostas adequadas.

 

O que é juventude e o que é proteção social no SUAS?

Para compreender o fenômeno juventude, pode-se afirmar que não há um conceito homogêneo e universal sobre as juventudes, dado que é preciso analisar quais são os contextos em que estão inseridos e os jovens sobre os quais falamos (PERONDI; VIEIRA, 2018).

Para Abramovay; Esteves (2007) não existe somente um tipo de juventude, mas grupos juvenis, que constituem um conjunto heterogêneo, com diferentes parcelas de oportunidade, dificuldades, facilidades e poder nas sociedades. Afirmam que:

juventude é uma construção social, ou seja, a produção de uma determinada sociedade originada a partir das múltiplas formas como ela vê os jovens, produção na qual se conjugam, entre outros fatores, estereótipos, momentos históricos, múltiplas referências, além de diferentes e diversificas situações de classe, gênero, etnia, grupo, etc.” (ABRAMOVAY; ESTEVES, 2007, p. 21)

Para garantir que a proteção integral prevista legalmente para juventude se efetive, deve-se ter um olhar amplo e não de forma setorial, considerando as múltiplas faces da juventude brasileira, com articulação do sistema de proteção social e atuação intersetorial.

Entende-se sistema de proteção social como:

… os arranjos por meio dos quais as diferentes sociedades buscam assegurar a proteção de seus membros contra as circunstâncias que podem limitar a sua capacidade de atender as suas necessidades fundamentais, isto é, aquelas associadas às diferentes fontes de insegurança a que está sujeita a vida no capitalismo e que impedem os homens de serem verdadeiramente livres, ou seja, de possuírem a capacidade de fazer e de ser aquilo que os levem à plena realização. (WOLF; OLIVEIRA, 2017, p.2)

O sistema de proteção social no Brasil foi estabelecido a partir pela Constituição Federal de 1988, com o tripé da Seguridade Social, constituído pela Saúde, Assistência Social e Previdência Social, sendo a Previdência Social compreendida como sistema proteção contributivo e a Saúde e Assistência Social, como não contributivo.

A Política Nacional de Assistência Social é uma política pública de Seguridade Social não contributiva, regulamentada pela Lei nº 8.742/1993, Lei Orgânica de Assistência Social/LOAS, voltada ao atendimento a famílias e indivíduos em situação de vulnerabilidade social, de risco pessoal e social e de violação de direitos, por meio de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública estatal e não estatal.

O Sistema Único de Assistência Social/SUAS é um sistema público não contributivo, descentralizado e participativo que tem por função a gestão de conteúdo específico da assistência social no campo da proteção social brasileira e prevê a garantia das seguintes seguranças: benefícios, renda, autonomia, convívio e acolhida, a fim de oferecer condições materiais e subjetivas para que as famílias protejam seus membros, em especial os mais vulneráveis.

As ofertas socioassistenciais no SUAS são organizadas por níveis de complexidade: Proteção Social Básica (PSB) e Proteção Social Especial (PSE) e a Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais, aprovado pela Resolução CNAS n 109/2009, institui os serviços a serem executados pela Proteção Social Básica e Especial e executados tanto pela rede socioassistencial governamental e como pela rede socioassistencial não governamental.

Segundo dados do Relatório de Informações Sociais do Ministério da Cidadania/2022, a rede socioassistencial governamental se concretiza por meio de 8.488 unidades de CRAS, em 2.760 unidades CREAS municipais e 34 regionais, 236 unidades de Centro POP e 6.452 unidades de acolhimento, que ofertam os serviços, benefícios, projetos e programas previstos no SUAS, juntamente com a rede socioassistencial não governamental.

Leia também: O que é ofertado na Proteção Social Básica e na Proteção Social Especial?

 

Modelo de Formulário de Encaminhamento para CRAS, CREAS e SUAS em geral para download

A realidade brasileira e a juventude: proteção ou desproteção social?

Diante do contexto social, em que o número de domicílios com moradores passando fome saltou de 9% (19,1 milhões de pessoas) para 15,5%, sendo 33,1 milhões de pessoas (Rede PENASSAN/2022), que a taxa de desemprego está em 9,3% no 3 trimestre do ano, que a taxa de desemprego de jovens entre 18 e 24 anos é de 19,3% e a taxa de ocupação na informalidade é de 40% da população ocupada, pergunta-se: como garantir proteção social a juventude? Como vivem estes jovens? Quais as violências que enfrentam?

A violência é uma realidade na sociedade brasileira e afeta diretamente a juventude, conforme dados do Relatório Disque 100 de 2019, foi registrado 86.837 denúncias de violações de direitos humanos contra crianças e adolescentes (14% superior em relação a 2018). As principais violações sofridas por esse grupo são, em escalada decrescente, negligência, violência psicológica, física, sexual, institucional e exploração do trabalho infantil.

No Brasil, de acordo com o Atlas da Violência de 2021, a principal causa de morte dos jovens no ano de 2019 foi a violência letal, de cada 100 jovens entre 15 e 19 anos que morreram no país por qualquer causa, 39 foram vítimas da violência letal. Foram 23.327 jovens entre 20 e 29 anos, que tiveram suas vidas perdidas prematuramente, numa média de 64 jovens assassinados por dia e nos últimos onze anos (2009-2019), foram 333.330 jovens de 15 a 29 anos vítimas da violência letal no Brasil. De acordo com o site Juventudes contra violência, em 2016, observa se que a taxa de homicídios está concentrada na população negra, sendo duas vezes e meia superior à de não negros. Das 61.283 mortes violentas ocorridas neste ano, a maioria das vítimas são homens (92%), negros (74,5%) e jovens (53% entre 15 e 29 anos), sendo que deste período, 77% dos jovens assassinados são negros e a cada 23 minutos, um jovem negro foi assassinado no Brasil. Estes dados refletem as inúmeras vulnerabilidades que a população negra enfrenta no dia a dia, evidenciando o racismo estrutural existente no país.

Os dados da Pesquisa Nacional das Medidas Sócio Educativas em Meio Aberto no Sistema Único de Assistência Social do Ministério do Desenvolvimento Social de 2018 revela que eram 117.207 adolescentes em Medidas Sócio Educativas/MSE e Liberdade Assistida/LA atendidos pelo SUAS e analisando o perfil deste adolescente, verificou-se que 88% são do gênero masculino; 46% tem entre 16 e 17 anos; 31% entre 18 e 21 anos; 20% cumprem medida por Tráfico de Drogas; 15 % por roubo; 10% por furto; 1% por homicídio ou tentativa de; 949 adolescentes foram assassinados durante o período de acompanhamento da medida e 19 cometeram suicídio. No ano de 2021, foram 13.684 adolescentes internados em regime fechado, sendo que houve uma redução nestes números, em função da pandemia.

A violência social no Brasil nutre-se dos problemas pessoais e coletivos e não se apresenta como doença nem como uma força exterior aos indivíduos e à sociedade. É uma construção humana e social, logo pode ser desconstruída.

 

A juventude e o SUAS: como se dá esta conversa?

Os jovens demandam de proteção da Política de Assistência Social e é um grande desafio para os(as) trabalhadores(as) do SUAS atuarem na prevenção, no atendimento, realizarem encaminhamentos e acompanhamentos, frente às diferentes formas de expressão da violência enfrentadas pela juventude.

Pode-se citar que a proteção social básica, por meio dos serviços ofertados no CRAS e nos Centros de Convivência, deve ter ações preventivas aos múltiplos tipos de violência (física, sexual, psicológica etc.) e ter o diagnóstico socio territorial, identificando as fragilidades e potencialidades do território.

Deve-se ofertar o serviço de convivência e fortalecimento de vínculos para adolescentes de 15 a 18 anos e jovens de 19 a 29 anos, trabalhando os eixos norteadores do SCFV e não apenas ofertando oficinas ligadas à arte, esporte, teatro e outras. Os serviços ofertados à juventude devem estar articulados ao Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família/PAIF, concretizando a matricialidade sociofamiliar do SUAS. Também deve-se encaminhar para a inserção no CADÚNICO, para acesso aos benefícios assistenciais e transferência de renda, a fim de garantir a segurança de renda. O PROGRAMA ACESSUAS TRABALHO se destaca por prever oficinas de preparação do jovem para o mundo do trabalho.

Este jovem, diante de situações de violação de direitos ou violência deve ser acolhido junto às unidades do CREAS e às unidades referenciadas, que devem atuar também no combate ao trabalho infantil, da exploração sexual e no combate da violência.

Devem ofertar os serviços da proteção social especial com atendimentos, encaminhamentos e acompanhamentos especializados, como o serviço especializado para pessoa em situação de rua, o serviço de proteção social a adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de liberdade assistida (LA) e de prestação de serviços à comunidade (PSC) e o serviço especializado em abordagem social. Os serviços ofertados à juventude devem estar articulados ao Serviço de Proteção e Atendimento Especializado às famílias e indivíduos/PAEFI, efetivando a matricialidade sociofamiliar do SUAS. É preciso ter claro que o CREAS não realiza averiguação de denúncias, sendo responsabilidade de outros canais e órgãos públicos, o papel do CREAS é acompanhar este jovem, não devendo ser mais um espaço que irá julgá-lo e condená-lo.

Em caso de famílias e/ou indivíduos com vínculos familiares rompidos ou fragilizados, são ofertados no SUAS – por meio da proteção social especial de alta complexidade – os serviços de Acolhimento Institucional, nas modalidades de abrigo institucional ou república para os jovens. Tais serviços preveem também, a sua reinserção na família de origem e/ou extensa, e por fim, em família substituta.

Portanto, a PSB deve atuar prevendo às situações de desproteção que podem gerar atos violentos nas famílias, junto à juventude e nos territórios. Já os serviços da PSE devem ofertar o atendimento, encaminhamento e acompanhamento frente aos diferentes tipos e naturezas da violência junto a juventude.

As demandas enfrentadas no dia a dia pelas equipes dos serviços da Política de Assistência Social são desafios, em que as respostas exigem estudo, troca de experiências e a compreensão da inevitabilidade do trabalho interdisciplinar nos serviços do SUAS. Também é imprescindível a articulação intersetorial com outras políticas sociais e junto ao sistema de garantia de direitos, bem como as demais entidades que prestam atendimento. Esta articulação deve ser de forma organizada e com a devida divisão de responsabilidades e competências.

Assim, a oferta dos serviços será de qualidade e eficazes no enfrentamento da violência junto a juventude, já que:

Essa rede de proteção social é fundamental no enfrentamento da violência, uma vez que a violência se realiza por meio de ações ou omissões de pessoas, grupos, classes, nações que provocam a morte ou o sofrimento, a dominação, o menosprezo, lesões, traumas físicos, psíquicos, emocionais, espirituais em seus semelhantes. (BRASIL, 2020, p.23)

A proteção social se faz com uma rede de proteção social junto à juventude e suas famílias e com o devido fluxo de atendimento e articulação.

 

Leia também: O que é o CRAS?
 O CREAS e a Proteção Social Especial

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Concluindo

A juventude no SUAS tem atendimentos previstos junto a PSB e PSE, mas as respostas para esta juventude que vivencia violência, discriminação, preconceito são adequadas? A juventude tem voz junto aos serviços do SUAS, ele é escutado e visto como um sujeito de direito?

A juventude chega nos serviços por acolhimento, por situação de rua ou em cumprimento medidas socioeducativas, mas o que o SUAS está oferecendo a estes jovens? Ele está sendo acolhido adequadamente? Como enfrentar a vulnerabilidade relacional e a violência vivenciada por este jovem no território e na sociedade?

A proteção social junto à juventude e o enfrentamento da violência e de suas múltiplas faces, se faz com a presença das unidades do SUAS nos territórios, com número de equipe de referência adequada e capacitada continuamente. Se faz com uma rede de proteção social articulada e organizada e com o entendimento que não é somente atribuição da Política de Assistência Social dar as respostas à juventude e suas famílias.

 

REFERÊNCIAS:

ABRAMOVAY, Miriam; ESTEVES, Luiz Carlos Gil. Juventude, Juventudes: pelos outros e por elas mesmas. In: ABRAMOVAY Miriam; ANDRADE, Eliane Ribeiro; ESTEVES, Luiz Carlos Gil. Juventudes: outros olhares sobre a diversidade. Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. Brasília/DF:UNESCO.2007

BRASIL. Constituição. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília/DF: Senado Federal: Centro Gráfico. 1988

BRASIL. Lei nº 8.742/1993. Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS/SUAS).  Brasília/DF.1993

BRASIL. Lei nº 12.852/2013. Estatuto da juventude. Brasília/DF.2013

BRASIL. Lei nº 8.069/1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Brasília/DF. 1990

BRASIL. Resolução CNAS n 109/2009. Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais. Brasília/DF. 2009

BRASIL. Ministério da Cidadania. Relatório de Informações Sociais. Disponível em https://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/ri/relatorios/cidadania/ acesso em 6 de setembro de 2022

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social. Pesquisa Nacional das Medidas Sócio Educativas em Meio Aberto no Sistema Único de Assistência Social do Ministério do Desenvolvimento Social. Brasília/DF. 2018

BRASIL. Inquérito Nacional sobre Segurança Alimentar no Contexto da pandemia do COVID-19 no Brasil da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional/ Rede PESSAM/2022. Disponível em https://olheparaafome.com.br/ acesso em 6 de setembro de 2022

BRASIL. Relatório Disque 100 de 2019. Disponível em file:///C:/Users/Cliente/Downloads/Relatorio-2019_Disque-100.pdf acesso em 7 de setembro de 2022

ARAÚJO, Edgilson Tavares; SINDEL, Chahim de Avellar Alchorne. Proteção Social no SUAS a indivíduos e famílias em situação de violência e outras violações de direitos: Fortalecimento da Rede Socioassistencial. Brasília/DF.2020

CERQUEIRA, Daniel. Atlas da Violência 2021 / Daniel Cerqueira et al.. São Paulo: FBSP, 2021

ENFRENTAMENTO ao genocídio da juventude negra. Juventudes contra violência, 2020. Disponível em https://juventudescontraviolencia.org.br/plataformapolitica/quem-somos/eixos-programaticos/enfrentamento-ao-genocidio-da-juventude-negra/ acesso em 16 de setembro de 2022

IBGE. Dados de desemprego. Disponível em https://g1.globo.com/economia/noticia/2022/08/12/desemprego-cai-em-22-estados-no-2o-trimestre.ghtml  acesso em 7 de setembro de 2022

VIEIRA, Patrícia Machado; PERONDI, Maurício. A construção social do conceito de juventudes. In: PERONDI, Maurício; SCHERER, Giovane Antônio; VIEIRA, Patrícia Machado; GROSSI, Patrícia Krieger. Infâncias, Adolescências e Juventudes na Perspectiva dos Direitos Humanos: onde estamos? Para onde vamos? Porto Alegre/RS: Edipucrs.2018

WOLF, Paulo José Whitaker; OLIVEIRA, Giuliano Contento de. Os sistemas de proteção social do Brasil e dos países da Europa Meridional: uma análise comparada. Campinas: IE/Unicamp. 2017

 

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